Um dos fatos mais impressionantes que nos mostra como os sentidos se utilizam de contexto está em nossa frente o tempo todo. ...

Os sentidos do contexto

 

 


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Um dos fatos mais impressionantes que nos mostra como os sentidos se utilizam de contexto está em nossa frente o tempo todo. Na verdade é o que nós não vemos: o ponto cego. É bem sabido que o ponto na retina de onde sai o nervo óptico não tem receptores de luz, assim deveríamos ver um ponto preto todo momento em que estivéssemos com os olhos abertos. Não vemos este ponto porque nosso cérebro preenche este espaço com o contexto da área ao redor. Ou seja, estamos o tempo todo olhando para uma ilusão de óptica.

Uma cacofonia de odores

O ponto cego: Estas três imagens permitem evidenciar a existência do ponto cego e o fenômeno do completamento perceptual. Utilize uma imagem por vez, iniciando pela superior. Feche o olho esquerdo e fixe o olhar no círculo menor (mantendo a imagem a uma distância de aproximadamente 40 centímetros do olho). Mantendo o olhar fixo no círculo menor, aproxime lentamente a imagem. Na distância aproximada de 30 cm, o círculo maior "desaparecerá" pois será projetado no ponto cego. Repita o procedimento com as outras imagens e verifique que o completamento perceptual depende das imagens projetadas nas circunvizinhanças do ponto cego[1].

O triângulo de Kanizsa é uma ilusão de ótica descrita primeiramente pelo psicólogo italiano Gaetano Kanizsa em 1955. Na imagem acima um triângulo equilátero branco é percebido, mas de fato nenhum é desenhado.

Uma cacofonia de odores

Mas não só a visão se utiliza do contexto, o olfato e o paladar tem se revelado cada vez mais influenciáveis pelo ambiente. Em estudo recente[2], pesquisadores da universidade de Heriot Watt, no Reino Unido, mostraram que música ambiente influencia a experiência de sabor do vinho. Quatro músicas foram classificadas por um grupo de pessoas independentes como poderosa e forte (Carmina Burana de Carl Orff), sutil e refinada (Valsa das Flores de Tchaikovsky), agradável e prazerosa (Just Can’t Get Enough de Nouvelle Vague) e macia e suave (Slow Breakdown de Michael Brook).

O teste foi feito separando as pessoas em 5 grupos, um com música e um sem música, e depois de uma degustação de 5 minutos ao som destas músicas, os participantes preenchiam uma ficha classificando os vinhos em poderoso e forte, sutil e refinado, agradável e prazeroso ou macio e suave. E, realmente, a classificação do mesmo vinho pendeu para o tipo de música que cada grupo ouviu: quem ouviu Carmina Burana classificou mais o vinho como forte, quem ouviu a música suave classificou mais o vinho como suave e assim por diante.

O gosto do vermelho

Além da audição, a visão pode também influenciar o olfato. Em [3], também com vinhos, realizado na Faculdade de Enologia de Talence na França, o simples fato de corar um vinho branco deixando-o com aparência de tinto, sem lhe alterar o sabor, enganou todos os 57 enólogos testados, que não perceberam se tratar de um vinho branco. É importante salientar que em um teste cego eles teriam a maior facilidade em classificar o vinho corretamente.

Se quiser fazer um teste mais simples, ofereça groselha azul para as pessoas e pode ter certeza que pouquíssimas conseguirão identificar o que estão tomando pelo simples fato de não estarem associando o sabor com a expectativa da cor – “Ora, groselha é vermelha, então isto azul não pode ser groselha”. Parece que se houver uma contradição entre visão e olfato (ou paladar), a visão acaba tendo mais peso, e a expectativa, produto de experiências prévias dos indivíduos, é muito importante no processamento da informação destas sensações.

Assim, quando entram em conflito, a visão parece ter mais peso e acaba ganhando de todos os outros sentidos. Os humanos são seres mais visuais mesmo, e isto se reflete até no marketing. Se focarmos nas maiores marcas de empresas do mundo, listadas pelo ranking da revista Fortune 500, por exemplo, veremos que apenas 9% delas se utilizam do som como uma forma de estabelecer, fortalecer e facilitar a memorização de suas marcas, e o uso de odores é ainda menor.

Sendo seres mais visuais, é natural que este apelo seja o mais escolhido para o branding. Masestes estudos sobre a capacidade da música e do odor influenciar outros sentidos e comportamentos mostram caminhos ainda pouco explorados e muito férteis.

 

Fontes:

[1]-A consciência como fruto da evolução e do funcionamento do sistema nervoso

[2]-The effect of background music on the taste of wine

[3]-Chemical object representation in the field of consciousness

[4]- Brand Sense: Build Powerful Brands through Touch, Taste, Smell, Sight, and Sound- 2005 -Martin Lindstron

[5]- Does Music Change The Taste Of Wine?