Sustentabilidade

Cintia Milagre

O conceito de desenvolvimento sustentável tornou-se o foco tanto do mundo industrial quanto da sociedade ...

Biocatálise: uma ferramenta para o desenvolvimento sustentável

O conceito de desenvolvimento sustentável tornou-se o foco tanto do mundo industrial quanto da sociedade. A produção de compostos químicos e aplicação dos mesmos, seja em escala industrial ou em pequena escala nos laboratórios de pesquisa do meio acadêmico, vem sofrendo uma mudança de paradigma no século 21, tendo a “sustentabilidade” como força motriz. Uma das formas de se alcançar este tão almejado objetivo é implementar os preceitos da Química Verde como ferramenta rotineira de trabalho, que preconiza, dentre outras coisas, o uso de catalisadores em detrimento a reagentes estequiométricos.

O uso de tecnologias catalíticas aumenta a eco-eficiência de produtos e processos otimizando o uso dos recursos e minimizando a geração de resíduos e o impacto ambiental. Uma das opções de tecnologias catalíticas disponíveis atualmente é a Biocatálise, que utiliza enzimas para catalisar reações químicas. Em comparação com outros tipos de catalisadores como os metais de transição e compostos organometálicos, as enzimas apresentam grandes vantagens:

- São muito eficientes e portanto podem ser utilizadas em concentrações tão baixas quanto 10-3-10-4 mol % enquanto os processos catalíticos mediados por metais requerem em torno de 0,1-1 mol % de catalisador;
- São altamente seletivas: quimio-, regio-, diastereo- e enantiosseletivas;
- São ambientalmente aceitáveis devido à sua total biodegradabilidade;
- As enzimas agem sob condições brandas de reação com pH’s variando na maior parte dos casos entre 5-8 e temperaturas entre 20-40 oC o que minimiza problemas com reações laterais indesejadas;
- Possibilidade de reações em cascata num único pote uma vez que as enzimas geralmente funcionam sob condições reacionais similares;
- As enzimas não são restritas a seus substratos naturais e podem catalisar uma ampla gama de reações. Há equivalentes enzimáticos para quase todas as reações orgânicas conhecidas como por exemplo: hidrólise ou síntese de ésteres, amidas, lactonas, lactamas, éteres, anidridos de ácidos, epoxidos e nitrilas; oxidação de alcanos, álcoois, aldeídos, sulfuretos, sulfóxidos; epoxidação de alcenos, compostos aromáticos, hidroxilação, e di-hidroxilação, oxidação de Baeyer-Villiger de cetonas, redução de aldeídos / cetonas, alcenos, aminação redutora; adiçãoeliminação de água, de amónia, o cianeto de hidrogênio; halogenação e desalogenação, alquilação de Friedel-Crafts, desalquilação, carboxilação, descarboxilação ,isomerização, reações aldol. Mesmo as adições de Michael, reação de Stetter, Nef e de Diels-Alder têm suas versões enzimáticas.

Em uma reação biocatalítica as enzimas podem ser utilizadas na forma isolada, como um extrato enzimático bruto ou ainda as próprias células microbianas ou vegetais que contém um enorme maquinário enzimático à nossa disposição. Ainda podemos pensar em diversas alternativas para melhorar o desempenho e estabilidade das enzimas e/ou do processo como por exemplo o uso de métodos de imobilização que permitam o reuso dos biocatalisadores, substituição do meio aquoso por meios não convencionais como líquidos iônicos, fluidos supercríticos, sistemas multifásicos, uso de ferramentas de biologia molecular para criar enzimas mais adequadas à reação ou processo em questão, dentre outros.

As reações de Biocatálise têm sido utilizadas com sucesso em diversas áreas da química e são hoje uma realidade nas linhas de produção de industrias multinacionais, de médio e pequeno porte para a síntese orgânica de compostos de interesse farmacêutico como o agente quimioterápico Taxol®, produção de commodities químicas como acrilamida, na indústria têxtil nas etapas de remoção de pêlos das fibras, desencolagem e lavagem de jeans, na indústria de papel de cellulose durante o branqueamento da polpa, no agronegócio, na medicina, na indústria de mineração, nas indústrias de alimentos e cosméticos com a produção de aromas, etc. Tudo isto sem falar nas aplicações relacionadas à biorremediação e biodegradação de poluentes tóxicos.

Enfim, a Biocatálise é uma alternativa atraente, exequível e que tem sido adotada por indústrias de diferentes setores que buscam não só minimizar a produção de resíduos gerados, otimizar seus processos tornando-os mais eficientes e/ou menos danosos ao meio ambiente como também oferecer aos seus consumidores produtos de qualidade e com maior valor agregado em virtude da produção sustentável do mesmo. Afinal de contas, ser ou não sustentável depende das nossas escolhas diárias.

 
 
Cíntia Milagre é pesquisadora na UNESP, no Departamento de Bioquímica e Microbiologia. Fez doutorado e pós-doutorado na Unicamp em biocatálise, e em 2011 estudou em Delft University of Technology, em seu segundo pós-doutorado.

 
 
Referências:
 
Meyer, H-P; Eichhorn, E.; Hanlon, S.; Lutz, S.; Schurmann, M.; Wohlgemuth, R.; Coppolechia, R. Catal. Sci. Technol. 2013, 3, 29.
 
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Bornscheuer, U. T.; Huisman, G. W.; Kazlauskas, R. J.; Lutz, S.; More, J. C.;
 
Robins, K. Nature 2012, 485, 185.
 
Zheng, G-W.; Xu, J. H. Curr. Opin. Biotechnol. 2011, 22, 784.