Inovação em Produtos Cosméticos

Maria Cristina Valzachi

Nas classificações da Biologia, o ser humano se distingue das demais espécies por ser um animal racional ...

O toque essencial

Nas classificações da Biologia, o ser humano se distingue das demais espécies por ser um animal racional; no entanto, antes de qualquer coisa, devemos lembrar que somos essencialmente animais sentimentais e sociais. Muito além de alimentação e água, necessitamos de contato e de carinho, e isso não é apenas força de expressão, mas uma realidade comprovada. Diversos estudos têm mostrado a necessidade do toque em nossas vidas. Pesquisadores acompanharam o desenvolvimento de crianças órfãs e constataram que, embora recebessem alimentação e cuidados necessários, a falta de contato físico com os cuidadores fazia com que elas sofressem sérios atrasos no desenvolvimento físico e comportamental, além de apresentarem maior risco de contrair infecções graves (Albers et al., 1997).

Embora nesse caso existam outros fatores envolvidos, como a falta da figura materna, diversos trabalhos têm mostrado a relação entre o toque e o bem-estar. Henricson (2009) mostrou que técnicas de massagem, como a effleurage*, usadas por enfermeiras em pacientes que se encontravam em unidades de terapia intensiva (UTI) trouxeram alívio e aumento da esperança futura para os mesmos, mostrando que até os pacientes vitimados por doenças graves podem experimentar momentos de prazer e aumento de esperança por meio de massagens. O artigo sugere que o toque seja incorporado como parte da terapia em pacientes da UTI.

Será que também encontramos esses efeitos benéficos quando a carícia é feita pela própria pessoa? Que efeitos poderiam ter gestos simples, como a aplicação de um creme sobre a pele? Ainda há muitas perguntas aguardando resposta nessa área, mas um estudo recente avaliou a diferença de percepção tátil entre o toque na própria pele (estímulo intrapessoal) em comparação ao toque na pele de outra pessoa (estímulo interpessoal). Os resultados mostraram que os participantes sentiam a própria pele como menos prazerosa do que a pele de outra pessoa; além disso, a pele do antebraço foi descrita como mais macia, lisa, menos pegajosa e mais prazerosa do que a da palma da mão. Porém, esse mesmo estudo mostrou que a aplicação de um emoliente cutâneo gerou uma melhora na autoavaliação em comparação com a avaliação de outra pessoa, além de revelar uma melhora nos índices da palma da mão em comparação com os do antebraço (Guest et al., 2009).

Para explicar essa alteração de percepção gerada pela aplicação do creme, o artigo sugere que seja o efeito de uma mudança no foco da atenção. De acordo com o autor, temos uma preferência (inata ou aprendida) para tocar outros seres humanos do que para nos tocarmos. Essa condição é apontada como uma consequência natural em termos evolucionistas, além de ser consistente com a literatura de psicologia social, que mostra como muitas interações são relatadas como mais favoráveis quando envolvem contato físico. Dessa forma, quando tocamos nossa pele e a de outra pessoa, nossa atenção é normalmente direcionada à outra pessoa; no entanto, o foco pode ser desviado para a nossa própria pele por eventos que alterem seu estado natural. Neste caso, o uso do emoliente pode ter produzido uma “curiosidade” ou sensação diferente, atraindo a atenção do indivíduo para a própria pele, ou esse efeito pode ter sido ocasionado pela estimulação cutânea durante a aplicação do creme.

Enfim, essa é apenas uma hipótese, mas o trabalho nos mostra quantas coisas podem estar por trás de um gesto simples, como passar um creme sobre a pele. Já os mecanismos envolvidos no toque e na carícia continuam a ser investigados, mas cada vez mais conseguimos enxergar o quanto são essenciais.

*Effleurage: palavra francesa que pode ser traduzida como “tocar levemente”. É usada para descrever uma técnica de massagem que envolve movimentos circulares feitos com a palma da mão.

 

Maria Cristina Valzachi é farmacêutica-bioquímica formada pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e possui mestrado em Farmacologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Atualmente cursando o doutorado nesta mesma instituição, dedica-se a pesquisas e estudos nas áreas de Neuroquímica e Farmacologia comportamental, com ênfase na adolescência. Tem especial interesse por todos os campos relacionados à educação e divulgação de ideias.

Contato: cris.valzachi@gmail.com

 

Referências bibliográficas

Albers LH, Johnson DE, Hostetter MK. “Health of Children Adopted from the Soviet Union and Eastern Europe: Comparison with Preadoptive Medical Records.” Journal of the Medical Association. 1997. 278(11): 922-4;

Guest S, Essick G, Dessirier JM, Blot K, Lopetcharat K, McGlone F. Sensory and affective judgments of skin during inter- and intrapersonal touch. Acta Psychologica. 2009;130:115–26;

Henricson M, Segesten K, Berglund AL, Määttä S. Enjoying tactile touch and gaining hope when being cared for in intensive care - A phenomenological hermeneutical study. Intensive and Critical Care Nursing. 2009;25:323-31.

Figura: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Free_hugs.jpg?uselang=pt-br