Bem-estar e Ciência das Relações

Maria Cristina Valzachi

Ninguém aprende a dançar lendo livros ou vendo fotos, é preciso ver os movimentos ...

O balé de cegos – dançando com o toque

Ninguém aprende a dançar lendo livros ou vendo fotos, é preciso ver os movimentos, perceber seu encadeamento com a música e depois imitá-los. É necessário repetir a coreografia até que fique natural e esteja em sincronia com o som. Imagine, então, o desafio enfrentado pela fisioterapeuta e professora de dança, Fernanda Bianchini, quando começou a ensinar balé clássico a adolescentes cegas. No início, a professora tentou ensinar as posições e passos ajustando os braços e pernas das meninas, e assim conseguiu fazer com que as sequências fossem reproduzidas, mas os movimentos logo perdiam o alongamento e ficavam frouxos.

Foi então que as próprias alunas sugeriram um novo método de aprendizado, pediram à professora permissão para tocar seu corpo enquanto ela fazia cada um dos movimentos. Essa técnica deu certo, e assim, as meninas passaram a usar o tato como os novos olhos do corpo, imitando a disposição dos músculos de Fernanda durante a dança. Hoje, a escola atende alunos de 3 a 60 anos, e os professores ensinam cada um dos passos por meio do toque, até que, após certo tempo de orientação e repetição, os bailarinos dançam apenas com instruções orais.

O balé dos cegos não seria possível sem o uso de um sentido muito especial, o tato, cujos sinais são captados pela pele - o maior órgão do corpo humano - no qual encontramos pelo menos seis tipos de receptores especializados, capazes de reconhecer e fazer a transdução de sinais táteis, de pressão e de vibração. Essa modalidade sensorial é fundamental para o ser humano de diversas formas, e sua importância também foi demonstrada pelo estudo de Schifferstein (2005), que avaliou os principais sentidos envolvidos no reconhecimento e interação com produtos. Os resultados mostraram que a quantidade de informações sobre um produto adquirida por meio do tato é equivalente à adquirida pela visão, ou seja, fornece um grande número de detalhes; além disso, os indivíduos demonstraram relativa facilidade no reconhecimento de um produto pelo toque, e tiveram maior segurança em identificá-lo dessa forma do que quando usavam apenas o olfato ou a audição.

O uso do toque na exploração do ambiente é algo instintivo, e pode ser visto desde o início da vida em recém-nascidos. Um estudo mostrou que 16 horas após o nascimento, o bebê já é capaz de reconhecer um objeto usando apenas o tato, mesmo quando ele é apresentado sob um ângulo diferente. Diversos outros trabalhos mostram que esse sentido é essencial para o aprendizado, ajudando as crianças a transformarem ideias abstratas em experiências concretas, por isso atividades táteis durante a infância, como brincar com blocos, ajudam no desenvolvimento de habilidades matemáticas e até mesmo na forma de pensar. A pele é de fato um órgão muito especial, que torna possível uma simples brincadeira de criança virar coisa séria e permite que pessoas desprovidas de visão captem o mundo de maneira diferente. Em nosso próximo encontro entenderemos porque existem diferenças de sensibilidade tátil nas diferentes partes do corpo.

 

Referências bibliográficas

Associação de Ballet e Artes para cegos Fernanda Bianchini:  http://www.ciafernandabianchini.org.br/;