Bem-estar e Ciência das Relações

Carolina Lavini Ramos

A gestação é um período especial não apenas pela beleza da formação de um novo organismo ...

Além do cordão umbilical

      A gestação é um período especial não apenas pela beleza da formação de um novo organismo, mas também pelas mudanças fisiológicas e biológicas promovidas pelas multiplicações e especializações celulares.  Mais interessante ainda, são os diferentes padrões epigenéticos que podem ser esculpidos nessa fase, modulando os programas gênicos de cada célula de toda parte desse novo organismo.

     Esses padrões epigenéticos são dinâmicos e podem ser alterados de acordo com estímulos do meio ambiente no início da vida causando até mudanças fenotípicas e comportamentais na fase adulta. Assim, durante a gestação, o epigenoma do feto é sensível, por exemplo, à nutrição materna, exposições a toxinas assim como ao estresse fisiológico [1]. Mais interessante ainda é a possibilidade da transposição de padrões ambientais e comportamentais paternos para a sua prole. Pois é, atenção futuros papais! Não só a sua cor de cabelo e olhos, mas também o seu estilo de vida pode repercutir na saúde de seus filhos.

     Foi justamente em 2010 que Ng e colaboradores demonstraram a transmissão de características transgeracional, contribuindo para o desenvolvimento de diabetes. Uma exposição parental de ratos macho a uma dieta rica em gordura pôde induzir um desequilíbrio precoce da homeostase entre insulina-glicose nas fêmeas de sua prole, devido a uma disfunção nas células beta-pancreáticas.

     A obesidade na fase adulta também parece estar associada a experiências adversas sofridas na infância como antipatia e negligência materna [2].

      Esses achados nos mostram a importância de considerar o papel parental no surgimento e desenvolvimento precoce de certas doenças como o diabetes.

     No entanto, não só na idade pré-natal, mas também neonatal e na infância, fatores como o cuidado parental, podem somatizar o efeito de modificações epigenéticas que ocorrerão no indivíduo adulto. Exemplificando, um filhote de rato que teve maior cuidado parental, como o lamber e o carregar, durante a fase inicial da vida, na fase adulta, apresenta uma expressão aumentada do gene que codifica o receptor glucocorticoide no hipocampo.  Além disso, esse filhote apresenta diferenças em relação à metilação do DNA, quando comparados a filhotes de mães com hábitos de cuidado menores. Essa expressão gênica aumentada contribui para uma resposta ao estresse menos exacerbada, mostrando o importante papel do meio ambiente nas fases inicias da vida, para a definição das reações fisiológicas do organismo[3] .

     É importante ressaltar que essa plasticidade demonstrada pela epigenética indica que mudanças de hábito podem também ter uma influência positiva na modulação do desenvolvimento assim como na tentativa de evitar o desenvolvimento de doenças nas próximas gerações.

     Uma vez que essas modificações  epigenéticas são reversíveis e ativam vias de sinalizações específicas, o entendimento detalhado dos mecanismos de ação fornece uma potencial plataforma de manipulações farmacológicas e terapêuticas que poderão atuar em outros tratamentos além dos já estudados como para  câncer e psiquiátricos [4].

     Certamente que esses estudos merecem um cuidado ao serem analisados, pois muitas variáveis precisam ser isoladas para que seja confirmada uma relação direta de causa-consequência. Mas por outro lado, todos esses dados nos ajudam a pensar o quão importante é o cuidado que deve ser tomado com uma vida em formação, não só para que sua integridade física seja mantida, mas para que sua integridade psicológica e fisiológica seja formada da melhor forma possível, e que lhe é de direito.

     Depois de apresentar o papel da epigenética em nossas vidas, literalmente, acho importante terminar essa discussão com uma frase do pesquisador Marcus Pembrey, para que pensemos em como devemos encarar o genoma e epigenoma em futuros estudos: “Devemos viver como guardiões do nosso genoma. Devemos cuidar dele, porque ele não representa somente você.”

 

Referências bibliográficas

 [1] Szyf M, Weaver I, Meaney M. Maternal care, the epigenome and phenotypic differences in behavior. Reprod Toxicol. 2007 Jul;24(1):9-19. Epub 2007 May 10

[2] Vámosi ME, Heitmann BL, Thinggaard M, Kyvik KO. Parental care in childhood and obesity in adulthood: a study among twins. Obesity (Silver Spring). 2011 Jul;19(7):1445-50. doi: 10.1038/oby.2011.20. Epub 2011 Feb 17.

[3] Weaver IC, Cervoni N, Champagne FA, D'Alessio AC, Sharma S, Seckl JR, Dymov S,Szyf M, Meaney MJ. Epigenetic programming by maternal behavior. Nat Neurosci. 2004 Aug;7(8):847-54. Epub 2004 Jun 27.

[4] McGowan PO, Szyf M. The epigenetics of social adversity in early life: implications for mental health outcomes. Neurobiol Dis. 2010 Jul;39(1):66-72. Epub 2010 Jan 4.

Ng SF, Lin RC, Laybutt DR, Barres R, Owens JA, Morris MJ. Chronic high-fat diet in fathers programs β-cell dysfunction in female rat offspring. Nature. 2010 Oct 21;467(7318):963-6.