Bem-estar e Ciência das Relações

Maria Cristina Valzachi

Imagine a seguinte situação: você está lendo um livro interessante em uma biblioteca ...

A disputa pela nossa atenção

Imagine a seguinte situação: você está lendo um livro interessante em uma biblioteca, e ao dar uma breve olhada para o lado, vê outras pessoas entretidas com a mesma atividade; como isso não desperta tira sua atenção, você continua a ler seu livro normalmente. Agora vamos imaginar que, ao olhar novamente para o lado, você perceba alguém muito assustado. Independentemente de qual seria sua reação nesse caso, você certamente não conseguiria voltar a sua tarefa principal (ler o livro), com a mesma concentração que tinha inicialmente, pelo menos até entender o que poderia estar acontecendo, ou ter certeza de que aquilo não teria importância para você.
Isso ocorre porque parte dos recursos que estavam sendo utilizados para ler o livro precisaria ser desviada para o processamento das novas informações de caráter emocional (pessoa assustada). Uma revisão, publicada em 2009, trouxe exemplos empíricos sobre como as emoções interferem em nossas atividades, um assunto ainda pouco explorado. Os recursos de que dispomos para processar as informações do ambiente - tais como a seleção perceptual, detecção e resolução de conflitos, e manutenção da informação contextual - dependem de uma função denominada controle executivo. De acordo com o estudo, esses recursos são limitados e precisam ser compartilhados entre diferentes atividades, e quando isso ocorre, há prejuízo na execução da tarefa principal.
De fato, um dos trabalhos citados na revisão mostrou uma queda no desempenho de indivíduos que executavam tarefas de atenção quando eram expostos a imagens de alto conteúdo emocional (como uma face expressando medo ou felicidade) em comparação a imagens de baixo conteúdo emocional (por exemplo, uma face sem expressão emotiva). No entanto, nem sempre um estímulo de conteúdo emocional é prejudicial para nossas atividades, pelo contrário, se ele for relevante para a tarefa, levará a um melhor desempenho, por trazer outras fontes de recurso para a tarefa inicial. Então, usando o exemplo anterior, se estivéssemos lendo nosso livro na biblioteca e nos deparássemos com uma advertência do tipo “As informações a seguir serão fundamentais para a compreensão dos próximos capítulos!”, certamente faríamos o possível para prestar mais atenção àquele trecho do livro!
Em conclusão, as informações sensoriais com valor afetivo sempre recebem atenção priorizada, por exemplo, itens de apelo visual (como a foto de uma face expressando medo) direcionam nossa atenção espacial para aquele local. Isso faz parte da dinâmica da interação do indivíduo com o meio, e embora a maioria dos estudos tenha sido realizada com estímulos de impacto aversivo, a ideia pode e deve ser generalizada para estímulos positivos e até mesmo para estímulos neutros que alcançam nossa percepção por terem alta intensidade sensorial; e falando em percepção, será que realmente percebemos tudo o que está a nossa volta? Conversaremos sobre esse tema em breve!

 

Referências bibliográficas
Blair KS et al. Modulation of emotion by cognition and cognition by emotion. Neuroimage. 2007;35(1):430-40;
Pessoa L. How do emotion and motivation direct executive control? Trends in Cognitive Sciences. 2009;13(4):160-6.
Figura: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gol_stavkirke,_masker.jpg