Bem-estar e Ciência das Relações

Maria Cristina Valzachi

Em nossa conversa anterior, falamos que as experiências contribuem para formar a compreensão daquilo que vivenciamos ...

A construção das redes neurais

       Em nossa conversa anterior, falamos que as experiências contribuem para formar a compreensão daquilo que vivenciamos. A importância dessa capacidade construtiva fica evidente quando vemos sua influência sobre nosso comportamento. Por exemplo, em uma situação na qual as pessoas pudessem escolher entre um alimento de sabor doce ou um amargo, provavelmente a maioria escolheria o doce, porque em geral, alimentos com esse sabor promovem uma experiência prazerosa; essa preferência ocorre até mesmo em recém-nascidos e pode ser medida pelas expressões faciais do bebê provocadas por cada um desses sabores (Steiner et al., 2001). É importante lembrar que a decisão do ser humano envolve diversos fatores e não se limita somente ao prazer gerado; pois, usando esse mesmo exemplo, podemos imaginar que algumas pessoas não optariam pelo doce por razões de saúde, enquanto outras simplesmente prefeririam o sabor amargo. Mas a pergunta agora é: como as experiências podem determinar nosso comportamento?

       A resposta para essa questão está nas modificações geradas pelo aprendizado. No final da década de 60, Eric R. Kandel demonstrou que mesmo os comportamentos mais simples podem ser modificados pela aprendizagem. Posteriormente, o cientista descobriu que esse aprendizado era acompanhado por alterações moleculares e na força das sinapses entre os neurônios que produziam o comportamento em questão, e constatou que o treinamento repetido fazia com que essas modificações fossem sustentadas por longos períodos, originando a memória de longo prazo. Kandel observou que no processo de habituação (diminuição de determinada resposta após repetição de um estímulo específico) o número de conexões pré-sinápticas entre os neurônios envolvidos na resposta diminuía, enquanto na sensibilização (aumento de uma resposta após a repetição de determinado estímulo) ocorria o oposto, ou seja, formavam-se novas conexões que persistiam durante o período em que a memória era conservada.

       Hoje sabemos que as experiências promovem neuroplasticidade, isto é, modificações neurais adaptativas que fortalecem, enfraquecem ou criam novas conexões neuronais. É por esse motivo que o treino de uma habilidade leva ao aprimoramento, por exemplo, quando executamos uma atividade pela primeira vez, como andar de bicicleta, em geral não somos bem-sucedidos porque ainda não sabemos os movimentos corretos ou não conhecemos a velocidade e o equilíbrio necessários; porém, cada vez que repetimos a tarefa, fortalecemos a via neuronal responsável por sua execução e nos tornamos mais habilidosos. Em conclusão, vimos que nosso sistema nervoso é passível de sofrer modificações que se refletem em nosso comportamento; e essa maleabilidade neuronal me faz refletir sobre quais serão as vias neurais que estamos fortalecendo neste momento. Será que estímulos positivos poderiam nos ajudar a reforçar conexões benéficas?

 

Referências bibliográficas

Steiner JE, Glaser D, Hawilo ME, Berridge KC. Comparative expression of hedonic impact: affective reactions to taste by human infants and other primates. Neuroscience and Biobehavioral Reviews. 2001; 25:53-74;

Kandel, ER. Mesmo os comportamentos simples podem ser modificados pela aprendizagem. In: Em busca da memória – o nascimento de uma nova ciência da mente (Kandel, ER). 2009; p. 211-231, Companhia das Letras.

Kandel, ER. Os fundamentos biológicos da individualidade. In: Em busca da memória – o nascimento de uma nova ciência da mente (Kandel, ER). 2009; p. 211-231, Companhia das Letras.