Sustentabilidade

Renata Rabelo Schefer e Noemi Jacques Vieira

As inovações tecnológicas encontram na natureza um modelo de sustentabilidade. ...

Aromáticos por processos biotecnológicos

As inovações tecnológicas encontram na natureza um modelo de sustentabilidade. A natureza sempre alcança seus objetivos conservando seus recursos e reciclando  completamente seus resíduos. Pensando nisso, pesquisadores de diversas áreas passaram a observá-la para se inspirarem a encontrar soluções para os desafios do dia a dia e na inovação de seus produtos, desenvolvendo metodologias e processos mais sustentáveis que possam gerar menor impacto ambiental.

Vários estudos têm mostrado que a biotecnologia pode ser uma alternativa sustentável para obtenção de ingredientes aromáticos para a indústria de perfumaria. Neste contexto podem-se destacar as seguintes estratégias tecnológicas: ingredientes obtidos por biocatálise (utilizando-se micro-organismos selvagens ou engenheirados e enzimas) e cultivo de células vegetais.

Biocatálise

A utilização de enzimas (isoladas ou provenientes de micro-organismos) como catalizadores para promover modificações específicas em determinado substrato é conhecida como biocatálise.

Micro-organismos encerram uma variedade de enzimas como oxidases, redutases, hidrolases, entre outras, que são capazes de promover reações seletivas gerando produtos de grande interesse químico. Por exemplo, o fungo Penicillium digitatum é capaz de transformar um substrato (limoneno) presente nas cascas de frutos cítricos em compostos aromáticos importantes para perfumaria como o álcool perílico, carvona e a-terpineol. Através da biotransformação do isoeugenol pela bactéria Pseudomonas putida pode-se obter vanilina e derivados, da mesma forma, substâncias com notas olfativas de rosas como o 2-feniletanol podem ser obtidas a partir da L-fenilalanina pela levedura Saccharomyces vini.

A engenharia genética de vias metabólicas secundárias é a mais nova e promissora ferramenta para a melhoria da produção de ingredientes voláteis. Um trabalho recente publicado por Maury e colaboradores, demostra o uso da engenharia genética promovendo a inserção de genes de plantas em leveduras do gênero Saccharomyces. Assim, estas leveduras conseguem produzir substâncias importantes para a indústria de perfumaria como os componentes majoritários dos óleos essenciais de Patchouli (patchoulol) e Sândalo (a- e b-santalol).

Na natureza temos como exemplo a degradação enzimática dos carotenóides que acontece de forma natural gerando compostos aromáticos derivados que apresentam atividade fungicida. Um exemplo da biocatálise utilizando enzimas livres ou imobilizadas como catalizadores é a conversão do b-caroteno em seus derivados fenólicos e aromáticos (b-ionona e b-damascenona).

Cultivo de células vegetais

Cultura de células vegetais aparece como outra técnica potencial para produção de uma grande variedade de metabólitos secundários. Cada célula vegetal contém a informação genética necessária para produzir os componentes químicos presentes na planta como um todo. A capacidade totipotente (possiblidade de formação de qualquer tipo de tecido vegetal) de células meristemáticas (indiferenciadas) permite o direcionamento genético e bioquímico para desenvolvimento de partes específicas da planta.  Após a escolha ideal da parte da planta que queremos produzir, podemos direcionar um aumento da produção dos compostos de interesse enriquecendo o meio de cultivo com precursores químicos específicos de ativação desta via biossintética. Exemplos do emprego da cultura de células vegetais como uma alternativa para produção de compostos aromáticos são o cultivo de células vegetais de Perilla frutesecens para produzir monoterpenos, bem como a produção de cariofileno a partir de células de Lindera strychnifolia.

Apesar de muitos avanços relevantes, a aplicação direta destas estratégias, em escala industrial, ainda esbarra em alguns empecilhos, como o baixo rendimento e a formação de uma mistura complexa de compostos de difícil separação. A otimização destes processos tanto os fermentativos quantos os enzimáticos, para a produção em escala industrial de compostos de alto valor agregado, são ainda um gargalo tecnológico importante a fim de atender a tendência crescente do mercado por matérias primas aromáticas naturais e de qualidade. Tudo isso, torna a obtenção de ingredientes aromáticos por processos biotecnológicos uma importante área para pesquisa e desenvolvimento.

Por Renata Rabelo Schefer e Noemi Jacques Vieira - Pesquisadoras do grupo de Ciência e Tecnologia de Ingredientes da Natura.

 

Sugestão para leitura:

[1] Krings, U.; Berger, R. G. Biotechnological production of flavours and fragrances. Appl. Microbiol. Biotech., 1998, 49, 1-8.

[2] Gounaris, Y. Biotechnology for the production of essential oils, flavours and volatile isolates. A review. Flavour Fragr. J., 2010, 25, 367–386.

[3] Carvalho, C.C.C.R., Fonseca M. M. R. Biotransformation of terpenes. Biotech. Adv., 2006, 24, 134–142.

[4] Duetz, W. A.; van Beilen, J. B.;  Witholt, B. Biotransformation of limonene by bacteria, fungi, yeasts, and plants. Appl. Microbiol. Biotech., 2003, 61, 269–277.

[5] Yamada, M.; Okada, Y.; Yoshida, T.; Nagasawa, T. Biotransformation of isoeugenol to vanillin by Pseudomonas putida IE27 cells. Appl. Microbiol. Biotech., 2007, 73, 1025–1030.

[6]  Etschmann, M.M.W.; · Sell, D.; Schrader, J. Biotechnological production of 2-phenylethanol. Appl. Microbiol. Biotech., 2002, 59, 1–8.

[7] Uenojo, M. e Pastore, G. M. β-Carotene biotransformation to obtain aroma compounds. Ciênc. Tecnol. Aliment., 2010, 30, 822-827.

[8] Maury, J.; Asadollahi, M. A.; Møller, K.; Schalk, M.; Clark, A.; Formenti, L. R.; Nielsen, J. 
Reconstruction of a bacterial isoprenoid biosynthetic pathway in Saccharomyces cerevisiae.  FEBS Let., 2008, 582, 4032-4038.

[9] Longo, M.A;. Sanromàn, M.A. Production of Food Aroma Compounds: Microbial and Enzymatic Methodologies. Food Techn. Biotech., 2006, 44, 335–353.