Inovação em Produtos Cosméticos

Maria Cristina Valzachi

Imagine se você encontrasse um ser que nunca tivesse enxergado ...

Os sentidos e as tulipas

Imagine se você encontrasse um ser que nunca tivesse enxergado, que não fosse capaz de sentir odores e nem mesmo perceber estímulos táteis, como toques ou texturas; e apesar de ele não contar com essas faculdades, você recebesse a tarefa de explicar-lhe o que é um campo de tulipas. Como contaria sobre as cores vivas das flores e das folhas sem recorrer à visão? Como explicaria o perfume das tulipas e da terra molhada sem contar com o olfato? E como falaria da textura macia das pétalas sem fazer uso do tato? Difícil... Difícil explicar com palavras algo que precisa ser sentido para ser compreendido. Essa é a beleza dos sentidos, eles nos dão uma compreensão peculiar do mundo.

 Desde pequenos aprendemos que o ser humano possui cinco sentidos: a visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato. Porém, diversos autores mostram uma classificação mais abrangente, que (apesar das variações de nomenclatura atribuídas por cada um deles) agrupa a visão, a audição, o olfato e o paladar na classe dos sentidos especiais, por se tratarem de sensações bastante específicas; enquanto o tato faria parte de um conjunto destinado a fornecer informações sobre o corpo, compondo a modalidade sensorial conhecida por somestesia.

A somestesia é a responsável pelas informações sensoriais do que se passa em todo o corpo e é dividida em várias submodalidades, dentre as quais as mais importantes são: a propriocepção, que é a capacidade de distinguir a posição do corpo e suas partes; a termossensibilidade, que nos fornece informações de frio e calor; a dor, que identifica estímulos potenciais ou reais causadores de lesões nos nossos tecidos; e o tato, responsável pela percepção das coisas que tocam nossa pele. Este último, além de fazer parte do nosso dia a dia, tem muita relação com as nossas emoções, por isso voltaremos a falar sobre ele com mais detalhes. Já a termossensibilidade e a dor são essenciais para proteger o indivíduo de estímulos potencialmente lesivos, e qual seria a importância da propriocepção?

Para investigar como o toque e a propriocepção participam da discriminação de objetos, um estudo avaliou como participantes, que tinham os olhos vendados, faziam para distinguir um cilindro, uma barra e um cubo desalinhado (na diagonal) em meio a vários cubos alinhados em um tabuleiro. O resultado mostrou que a informação tátil sozinha era suficiente para distinguir o cilindro entre os cubos; no entanto, a informação proprioceptiva mostrou-se essencial para fornecer informações de altura e orientação do objeto, necessárias para detectar a barra e o cubo na diagonal. Isso mostra que, embora algumas vezes uma única modalidade sensorial seja suficiente para o reconhecimento de produtos, em geral, usamos mais de um sentido nessa interação e, em certos casos, essa combinação é essencial.

“Alguma coisa terrível aconteceu. Não consigo sentir meu corpo. Eu me sinto esquisita – desencarnada.” Essas palavras, relatadas por Christina, uma paciente que perdeu a capacidade proprioceptiva após uma cirurgia, nos dá uma ideia do impacto causado pela perda dessa função. Após descobrir uma forma de lidar com a situação, ainda que muito longe da ideal, ela explica “Então o que devo fazer é usar a visão, usar meus olhos em toda a situação na qual antes eu usava a propriocepção. Já notei que posso ‘perder’ meus braços. Acho que estão em um lugar e descubro que estão em outro. A tal da propriocepção é como os olhos do corpo, o modo como o corpo se vê.”

Esse exemplo, além de nos mostrar a importância da propriocepção, também evidencia outra característica dos sentidos, que é a capacidade de compensar a perda de determinada função por meio de uma maior utilização de outra que esteja intacta, ou em melhores condições. A experiência nos mostra muitos casos de sucesso nessa substituição, por exemplo, já imaginou como seria ensinar balé clássico a dançarinas cegas? Como elas fariam para aprender os movimentos e imitá-los sem que pudessem enxergar? Uma professora descobriu a resposta para essa questão, apostando no uso de outro sentido. Qual seria? Voltaremos a esse tema no próximo post!

 

Referências bibliográficas

Hall JE. Sensações somáticas: I. Organização geral, as sensações de tato e de posição corporal. In: Tratado de Fisiologia Médica (Guyton, AC; Hall, JE). 2011; p. 603-614, editora Elsevier;

Lent R. Os sentidos do corpo. In: Cem bilhões de neurônios – Conceitos fundamentais de neurociência (Lent, R). 2004; p. 211-39, Editora Atheneu;

Overvliet KE, Smeets JBJ, Brenner E. The use of proprioception and tactile information in haptic search. Acta Psychologica. 2008;129(1):83-90;

Sacks OW. A mulher desencarnada. In: O homem que confundiu sua mulher com um chapéu (Sacks, OW). 1997; p. 59-70, Companhia das Letras.

Figura: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Toronto_tulips_May_2011.jpg