Bem-estar e Ciência das Relações

Maria Cristina Valzachi

De maneira geral, o interesse por saúde, beleza e bem-estar aumenta cada vez mais ...

O poder que vem da natureza

De maneira geral, o interesse por saúde, beleza e bem-estar aumenta cada vez mais; e nesse contexto, os produtos de origem natural vêm ganhando espaço crescente no mercado. A busca por itens diferenciados, com valores socioambientais agregados e mais saudáveis, tem estimulado o interesse de um mercado que deseja produtos que sejam mais próximos da forma primária em que são encontrados na natureza. É o que ocorre, por exemplo, na alimentação. O aumento da procura por alimentos orgânicos, que são cultivados sem o uso de produtos químicos sintéticos (como fertilizantes e pesticidas), tem proporcionado o crescimento de um nicho de mercado que também se reflete em outras áreas relacionadas ao bem-estar, como a área cosmética. Os produtos que contêm ativos cosméticos de origem natural, capazes de proporcionar outros efeitos benéficos além daqueles já tradicionalmente oferecidos por rotas sintéticas, vêm ganhando uma fatia cada vez maior do mercado nos últimos anos.

Os cosméticos, em geral, são formulados para proporcionar aumento da saúde e beleza da pele. Eles apresentam diversos agentes ativos em sua formulação, dentre os quais podemos citar: retinóides, vitaminas, peptídeos, ácidos poli-hidróxidos e princípios extraídos de plantas (como os polifenóis). Esses agentes têm diversas ações, podendo, por exemplo, melhorar as propriedades de barreira do extrato córneo, atuar como antioxidantes, estimular a produção de colágeno, entre outros. Por exemplo, os antioxidantes incluem uma variedade de agentes como os flavonóides, um tipo de polifenol encontrado em plantas, que em geral oferece proteção contra os raios UV, mas também apresentam outras ações; é o caso do extrato da semente de uva, que por ser rico em isoflavonoides, é capaz de induzir a expressão de fatores de crescimento em queratinócitos, efeito útil para a cicatrização de feridas dérmicas [1].

Como conversamos no post “De olho na Amazônia”, o Brasil encontra-se em uma situação privilegiada para estudar o potencial das plantas em suas mais diversas aplicações, devido a sua enorme riqueza natural. Imagine quantos recursos nossas florestas apresentam. Quantos segredos guardariam as chamadas frutas exóticas, nativas ou características da região amazônica, como o cupuaçu, acerola, bacuri, murici, e diversas outras? O interessante é que muitas espécies da Amazônia já são utilizadas pelo povo nativo há muito tempo, e o conhecimento sobre os poderes da natureza passam de geração para geração. Por exemplo, a castanheira, que no Brasil só é encontrada na Amazônia, é usada para diversas aplicações: pode ser descascada e consumida como alimento de forma direta ou usada no preparo de doces, sorvetes e farinha; o óleo é usado na fabricação de sabonetes, cremes e xampus; e a casca é usada na fabricação de remédios.

A união do conhecimento popular com a análise científica certamente trará benefícios para todos. O livro Frutíferas e Plantas Úteis na Vida Amazônica [2,3] traz um exemplo que ilustra bem essa relação: “Glória, do interior, visitou o departamento de engenharia Química da Universidade Federal do Pará (UFPA) e contou para um professor que sua mãe produzia óleo de andiroba. Ela explicou que sua mãe deixava as sementes 30 dias abafadas para fazer o óleo. O professor logo reagiu: ‘Sabe quanto tempo leva aqui no laboratório, usando solventes e prensagem? Apenas 1 hora!’. Surpresa, a senhora então perguntou ao professor se as substâncias ativas que curam as pessoas ainda faziam parte do óleo obtido por esse processo rápido. Ele respondeu que os pesquisadores ainda não sabiam. Disse que alguns componentes do óleo obtido pelo processo artesanal (com longo tempo de fermentação) não aparecem no óleo produzido industrialmente. Será que esses componentes são os responsáveis pelo efeito medicinal do óleo?” O mais importante nessa relação é a valorização de cada fonte de conhecimento através do pagamento pelo conhecimento tradicional associado.

A biodiversidade brasileira é rica e espera somente por uma oportunidade para ser aproveitada de forma ampla e racional, mas antes é preciso enxergar a riqueza que se encontra na simplicidade. Deve-se valorizar a sabedoria popular da região, afinal, muito antes de a ciência chegar, o conhecimento das propriedades das plantas já era usado por aquele povo e transmitido de geração para geração. A união da experiência prática com a base científica certamente levará a métodos mais eficazes de aproveitamento das espécies, bem como à descoberta de novas aplicações.

 

Maria Cristina Valzachi é farmacêutica-bioquímica formada pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e possui mestrado em Farmacologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Atualmente cursando o doutorado nesta mesma instituição, dedica-se a pesquisas e estudos nas áreas de Neuroquímica e Farmacologia comportamental, com ênfase na adolescência. Tem especial interesse por todos os campos relacionados à educação e divulgação de ideias.

Contato: cris.valzachi@gmail.com

 

Referências
[1] Amer M, Maged M. Cosmeceuticals vs pharmaceuticals. Clinics in dermatology. 2009;27(5):428-430;

[2] Shanley P, Medina G. Andiroba. In: Frutíferas e plantas úteis na vida amazônica. 2005;p.41-50;

[3] Shanley P, Medina G. Castanheira. In: Frutíferas e plantas úteis na vida amazônica. 2005;p.61-73.

Figura: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Acerola_Malpighia_glabra.jpg