Inovação em Produtos Cosméticos

Maria Cristina Valzachi

A pele é o maior órgão do corpo humano e a responsável pela entrada sensorial tátil ...

O mapa sensorial do corpo

           A pele é o maior órgão do corpo humano e a responsável pela entrada sensorial tátil, mas embora ela esteja recobrindo quase todo o corpo, por que nossa sensibilidade não é a mesma em cada uma de suas partes? Por que será que conseguimos reconhecer um estímulo com precisão por meio do toque de nossos dedos, mas não temos a mesma habilidade com a pele que recobre nossas costas ou pernas? Por outro lado, por que será que apesar dessa baixa capacidade discriminatória, estímulos nessas regiões levam a sensações tão prazerosas?

           Um método muito comum, usado por médicos para avaliar a sensibilidade tátil de um indivíduo, é a capacidade discriminatória de dois pontos. Nesse teste, duas agulhas são levemente pressionadas contra a pele da pessoa, e ela relata se consegue perceber dois pontos de estimulação ou apenas um. Nas pontas dos dedos, a pessoa é capaz de distinguir dois pontos distintos quando as agulhas distam apenas 1 a 2 milímetros uma da outra. Enquanto nas costas, a distância entre as agulhas deve ser de 30 a 70 milímetros para que os dois pontos sejam percebidos. Essa diferença está relacionada ao nosso mapa corporal no córtex somatossensorial.

           Apesar de os sentidos terem início nos órgãos especializados, como a pele (no caso do tato), sua compreensão se dá no sistema nervoso central. Os sinais sensoriais de todas as modalidades terminam no córtex cerebral, cada um deles em uma região específica. As sensações táteis chegam ao córtex somatossensorial, onde as diferentes partes do corpo são representadas com alto grau de localização, formando um mapa. Algumas ocupam grandes áreas no córtex somático – a dos lábios é a maior de todas, seguida pela da face e do polegar – enquanto outras são representadas por áreas relativamente pequenas, sendo que as dimensões dessas regiões cerebrais são diretamente proporcionais ao número de receptores presentes em cada parte respectiva do corpo. A figura abaixo ilustra nosso mapa sensorial cerebral.

           Na avaliação da qualidade de um batom, diversos fatores são levados em consideração, dentre eles: a ausência de gosto desagradável, a facilidade de aplicação (suavidade, untuosidade, deslizamento), espessura e homogeneidade da película depositada sobre os lábios e conforto gerado. De fato, o tamanho da área ocupada pela representação dos lábios no córtex pode explicar, ao menos em parte, o grande número de critérios envolvidos na apreciação desse cosmético.

           Muitos estudos trazem o mapeamento detalhado dessas áreas corticais, mas o mais interessante é que eles também mostram que esses mapas são dinâmicos, modificando-se de acordo com a aprendizagem e outras condições ambientais. Um exemplo muito citado é a chamada sensação do “membro fantasma”, que faz com que indivíduos amputados continuem a sentir o membro perdido. Isso ocorre porque a área cortical antes ocupada, por exemplo, pelo braço, ao invés de tornar-se inválida após a amputação, passa a representar regiões vizinhas, como o ombro ou pescoço, fazendo com que estímulos nessas regiões sejam interpretados como provenientes do braço.

           Além da representação no mapa cerebral, a sensibilidade tátil permite uma forma de estimulação prazerosa por meio do toque, a massagem, que tem sido usada como técnica para aumentar o bem-estar e diminuir a ansiedade, o estresse e a dor. Um estudo recente usou ressonância magnética funcional para testar a hipótese de que a combinação do toque humano com o movimento leva à estimulação de áreas cerebrais envolvidas no prazer. Ele comparou o toque humano com ou sem movimento e o toque por meio de uma luva de borracha, também com ou sem movimento. Os resultados mostraram que o toque humano com movimento era avaliado como mais prazeroso e levava a uma maior ativação do córtex pregenual cingulado anterior, uma área cerebral envolvida no prazer.

           Esse trabalho mostra claramente o efeito hedônico do toque e me faz pensar nos efeitos benéficos que podem existir em gestos simples. Por exemplo, sabemos que os cremes são feitos com ingredientes para a nutrição e proteção cutânea, mas será que o ato de aplicá-lo sobre a pele, por meio do toque e da massagem, não traria outros efeitos positivos? No próximo post voltaremos a esse tema e veremos que a carícia é, em verdade, essencial!

 

Maria Cristina Valzachi é farmacêutica-bioquímica formada pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e possui mestrado em Farmacologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Atualmente cursando o doutorado nesta mesma instituição, dedica-se a pesquisas e estudos nas áreas de Neuroquímica e Farmacologia comportamental, com ênfase na adolescência. Tem especial interesse por todos os campos relacionados à educação e divulgação de ideias.

Contato: cris.valzachi@gmail.com

 

Referências bibliográficas

Hall, JE. Sensações somáticas: I. Organização geral, as sensações de tato e de posição corporal. In: Tratado de Fisiologia Médica (Guyton, AC; Hall, JE). 2011; p. 603-614, editora Elsevier;

Lent R. Os sentidos do corpo. In: Cem bilhões de neurônios – Conceitos fundamentais de neurociência (Lent, R). 2004; p. 211-39, Editora Atheneu;

Lindgren L, Westling G, Brulin C, Lehtipalo S, Anderssonc M, Nyberg L. Pleasant human touch is represented in pregenual anterior cingulate cortex. NeuroImage. 2012;59:3427–32;

Tagliari MP, Stulzer HK. Aspectos gerais da tecnologia de batons. Cosmetics & Toiletries. 2007;19:72-5.

Figura 1: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Massage_Frankfurt.jpg?uselang=pt-br

Figura 2: Homúnculo sensorial. http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sensory_Homunculus.png