Inovação em Produtos Cosméticos

Maria Cristina Valzachi

Se você já passou pela experiência de comer uma comida gostosa durante uma gripe forte ...

O efeito das fragrâncias na percepção de texturas

     Se você já passou pela experiência de comer uma comida gostosa durante uma gripe forte, deve ter notado como o sabor da refeição não é igual ao que percebemos quando não estamos doentes. Por mais bonito e apetitoso que seja o prato, não conseguimos saborear aquela comida com o mesmo prazer que temos quando estamos bem. Na verdade, parece haver uma falta de paladar, não é mesmo? Realmente, existe uma importante relação entre o olfato e o sistema gustativo, de modo que este último é prejudicado quando nossa capacidade de sentir cheiros está diminuída. A interação entre esses dois sentidos já é bem conhecida e facilmente percebida, mas será que os odores poderiam alterar outras sensações, como a percepção de texturas? Qual seria a relação entre toque e olfato?

     Para responder a essa questão, um trabalho mostrou que os cheiros são capazes de modificar a percepção das pessoas em relação à maciez de amostras de tecido. Durante o estudo, os voluntários foram expostos a dois odores diferentes, cheiro de limão (classificado como agradável) e cheiro de animal (desagradável), e então tiveram que avaliar a maciez das amostras de tecido somente por meio do toque de uma das mãos. O resultado mostrou que, embora as texturas fossem iguais, os participantes classificavam as amostras como mais macias quando eram apresentadas com o odor de limão do que quando apresentadas com o odor de animal, demonstrando que o olfato pode modificar a percepção tátil.

     Outro estudo procurou avaliar se o uso de diferentes fragrâncias em um shampoo poderia alterar a percepção da textura do produto e do cabelo (durante e depois da lavagem) relatada pelos participantes. Para realizar o trabalho, os pesquisadores adicionaram diversos tipos de fragrâncias a uma mesma base de shampoo, de modo que os produtos diferiam entre si exclusivamente pelo odor. Os voluntários tinham que usar cada uma das amostras em casa, pelo menos uma vez ao longo de três dias, e então, respondiam um questionário de avaliação. O experimento mostrou que apesar de os produtos serem idênticos, o fato de apresentarem cheiros diferentes gerava uma mudança na percepção das características de textura tanto do shampoo quanto do cabelo, mostrando, novamente, a capacidade de interação entre esses sentidos.

     Além de evidenciar a influência do olfato sobre o toque, o interessante no estudo acima é que apesar de terem sido escolhidas fragrâncias muito diferentes entre si nas características olfativas, todas eram agradáveis e utilizadas comercialmente, sugerindo que as mudanças geradas pelos odores na avaliação de um produto não são decorrentes exclusivamente do fato de eles serem agradáveis ou desagradáveis, mas que existem outros mecanismos envolvidos nesse efeito. Esse é mais um exemplo de que nossa percepção não é formada pelos sentidos de forma isolada, mas pela interação entre eles, como vimos no post Percepção: reconstruindo o mundo.

 

Maria Cristina Valzachi é farmacêutica-bioquímica formada pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e possui mestrado em Farmacologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Atualmente cursando o doutorado nesta mesma instituição, dedica-se a pesquisas e estudos nas áreas de Neuroquímica e Farmacologia comportamental, com ênfase na adolescência. Tem especial interesse por todos os campos relacionados à educação e divulgação de ideias.

Contato: cris.valzachi@gmail.com

 

REFERÊNCIAS

Churchill A, Meyners M, Griffiths L, Bailey P. The cross-modal effect of fragrance in shampoo: modifying the perceived feel of both product and hair during and after washing. Food Quality and Preference. 2009;20:320-328;

Demateè ML, Sanabria D, Sugarman R, Spence C. Cross-modal interactions between olfaction and touch. Chem Senses. 2006;31:291-300.

Figura: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Girl_hair.JPG?uselang=pt-br