Inovação em Produtos Cosméticos

Maria Cristina Valzachi

Havia um esboço de sorriso em seu rosto. ...

Nossa percepção é apenas a ponta do iceberg

“Havia um esboço de sorriso em seu rosto. Ele também parecia ter decidido que o exame terminara, e começou a olhar em volta à procura de seu chapéu. Estendeu a mão e agarrou a cabeça de sua mulher, tentou erguê-la e tirá-la para pôr em sua cabeça. Parecia que ele tinha confundido sua mulher com um chapéu! Ela olhava como se estivesse acostumada com coisas assim.” Esse trecho, retirado do livro O homem que confundiu sua mulher com um chapéu, de Oliver Sacks, mostra o comportamento dramático de um de seus pacientes, que apresentava um distúrbio neurológico de percepção, e ilustra a importância dessa faculdade no comportamento humano.

Quando estamos procurando um objeto, como a chave da porta de casa ou o controle remoto da televisão, não é necessário que os enxerguemos por completo, ver uma pequena parte, ainda que o restante esteja encoberto, é o suficiente para reconhecermos o que procuramos e orientar nosso movimento até o local. Essa apurada capacidade de associar as informações sensoriais à memória e à cognição, de modo a formar conceitos sobre o mundo e sobre nós mesmos, e orientar nosso comportamento, é o que chamamos de percepção. Também é por meio dela que somos capazes, por exemplo, de reconhecer uma voz familiar, ainda que esteja rouca, sendo sussurrada ou gritada; bem como distingui-la em meio a uma multidão de outras vozes.

Os sistemas sensoriais captam as características de cada objeto, como cor, tamanho, movimento – essa é a primeira etapa da percepção; em seguida, essas informações passam por vias paralelas do sistema nervoso central, que gradativamente reconstroem o objeto. No final do processo, não tomamos consciência dessa soma de partes e propriedades, mas sim dos objetos como percepções globais; isto é, os sistemas sensoriais, aliados a mecanismos de natureza sintética (capazes de reunir as partes e propriedades em um conjunto único que faz sentido), levam à percepção. No entanto, a todo o momento somos “bombardeados” por informações sensoriais de todos os tipos, sejam visuais, auditivas, táteis ou outras; será que percebemos todas elas?

Imagine que você precisasse estudar para uma prova e, ao sentar-se diante do material de estudo, percebesse claramente que os cachorros começaram a latir, os carros a buzinar, as pessoas a sua volta a se movimentar. A verdade, porém, é que esses barulhos provavelmente já existiam antes, mas você os estava ignorando; e somente quando teve de silenciar para executar sua atividade, se deu conta da presença deles, isto é, passou a dar atenção a eles. É justamente por meio da atenção, ou percepção seletiva, que controlamos quais percepções atingirão nossa consciência; desta forma, se nos concentrarmos novamente na tarefa inicial (estudar), voltaremos a ignorar os estímulos sensoriais distratores.

Embora nem sempre seja tão simples ignorar esses estímulos, a verdade é que as informações sensoriais às quais temos acesso consciente são sempre uma fração minúscula do todo (como a parte do iceberg que fica para fora da água), pois a todo o momento fazemos esse filtro de forma inconsciente; e é por isso que não nos damos conta de que estamos respirando, ou usando óculos ou sapatos (a menos que estejam apertados). Essa habilidade de selecionar estímulos relevantes é essencial para o nosso equilíbrio, e eventos que evolutivamente poderiam estar relacionados à preservação da vida ganharam o poder de captar nossa atenção. Por exemplo, a dor, como a provocada pelo sapato apertado, é um meio de tornar a percepção consciente, e como vimos no post - A disputa pela nossa atenção, as emoções também são decisivas nesse processo!

 

Referências bibliográficas

Lent R. Às portas da percepção. In: Cem bilhões de neurônios – Conceitos fundamentais de neurociência (Lent, R). 2010; p. 612-41, Editora Atheneu;

Sacks OW. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. In: O homem que confundiu sua mulher com um chapéu (Sacks, OW). 1997; p. 22-37, Companhia das Letras.

Figura: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Iceberg_at_Baffin_Bay.jpg