Para pensarmos em identidade sensorial nos faz falta entender anteriormente o conceito de identidade. ...

Identidade sensorial, a construção do interpretante emocional: a experiência dos afetos

      Para pensarmos em identidade sensorial nos faz falta entender anteriormente o conceito de identidade. Sem adentrarmos em questões filosóficas mais profundas, o que demandaria outro espaço de reflexão e publicação, no entanto, sem deixar de tangenciar pontos importantes, iniciamos o aprofundamento acerca do que é identidade no contexto ao qual estamos nos referindo. Um caminho possível para entender identidade é concebê-la como um conjunto de características próprias e singulares com as quais se pode identificar um determinado fenômeno, no caso, comunicacional. Assim, identidade é aquilo que singulariza, torna único e reconhecível um fenômeno. Ainda que no mundo contemporâneo as identidades sejam plurais e cambiantes, não deixa de ser identitária a pluralidade e a mobilidade também. Identidade de uma marca, por exemplo, são suas manifestações expressivas, desde questões ligadas ao nome, símbolo, logotipo etc. até (quando estamos nos referindo a marcas corporativas) o conjunto de missão, visão, valores, as posturas diante de questões mais amplas, como ambiente político-legal, cultural, meio-ambiente, catástrofes, demandas dos funcionários e da sociedade civil etc., as atitudes dos executivos, as opções de investimentos etc. Tudo comunica, não é um jargão desprovido de fundamento. Tudo é signo, como disse Charles Peirce há mais de 100 anos atrás.  

      Notamos que nos últimos anos estamos caminhando para a ampliação das possibilidades de expressão da identidade dos fenômenos comunicacionais. E a explicação está, tanto no crescimento das capacidades técnicas de manifestação, onde destaca-se a melhoria da qualidade tanto das mídias, quanto dos suportes criativos (softwares, aplicativos, materiais cada vez mais sofisticados...),  acessíveis também à todos, mas principalmente porque, como consumidores, queremos construir uma relação mais afetiva com o mundo material. Em linhas gerais podemos ter tudo o que quisermos (vamos suspender por hora as restrições financeiras e/ou ideológicas), assim a diferença (portanto, a singularidade) precisa ser “restituída”, e o caminho mais consequente passa a ser a dimensão sensorial.

      Durante séculos estivemos presos à visualidade e ao texto (principalmente depois de Johannes Gutenberg, 1398-1468), que, em certa medida, nos aprisionou na margem e na linearidade (no contexto da comunicação, pois é inegável a força libertadora e imaginativa da escritura). Agora temos condições de nos libertarmos rumo à sensorialidade, tanto porque temos mais recursos (destaca-se o universo digital), quanto porque queremos! Explorarmos dimensões sensíveis como o tato, o olfato, o paladar e a audição, para além da visão é fundamental. A exploração sensível é potente porque penetra os nossos sentidos sem a necessidade de nosso “consentimento” e racionalização. Encontra-nos abertos e sem barreiras. Tem a capacidade de nos remeter a mundos passados e imaginários... E ainda mais! A potência está na sobreposição de sentidos e nas suas explorações sinestésicas, hibridizações e misturas.

      Nesse sentido, identidade sensorial refere-se a um conjunto específico de signos sensoriais que sejam capazes de identificar e diferenciar conteúdos, ideias, produtos, marcas, serviços etc. de forma autônoma ou conjunta. Por exemplo, a marca Itaú, para além de sua expressão visual (nome, logotipo e símbolo), vem construindo novos sentidos identitários. Desde a exploração da cor laranja (quali-signo icônico por excelência), a criação do “gesto” Itaú (conectando-se ao digital), até a construção do signo sonoro característico de sua publicidade nas diferentes mídias. Pela força da recorrência publicitária (quantidade e diversidade) destes signos identitários sensoriais, a marca Itaú já pode ser reconhecida no conjunto de suas expressões e mesmo de forma independente. Outro exemplo é o “famoso” plin-plin da Globo. Uma exploração sonora construída ao longo de décadas e que, de forma autônoma, nos remete ao universo de sentido da TV Globo, praticamente sem ambiguidades.      

      Identidade sensorial é o caminho mais consequente de construção de vínculos de sentido com as pessoas, tanto porque estamos ávidos por explorações sensíveis para além do visual, quanto porque nos convida à experiência dos afetos.

 

Clotilde Perez. Semioticista, professora e pesquisadora. Livre-docente em Ciências da Comunicação pela ECA – USP. Pós-doutora em Comunicação pela Universidade de Murcia. Doutora em Comunicação e Semiótica e Mestre em Marketing pela PUC SP. Professora da ECA USP e da PUC SP. Editora da revista Signos do Consumo. Líder do GESC3 – Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo. Coordenadora do Observatório de Tendências Ipsos. Atualmente conduz pesquisa de pós-dourado junto à Universidade de Stanford (EUA) na área de criatividade e design thinking.

Contato: cloperez@terra.com.br

 

Glossário:

Identidade Sensorial: refere-se a um conjunto específico de elementos sensoriais que sejam capazes de identificar e diferenciar conteúdos, ideias, produtos, marcas, serviços etc. de forma autônoma ou conjunta.

Signo: segundo a definição de Charles Sanders Peirce, signo é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém.