Sustentabilidade

Natalia Allenspach de Souza

Produtos químicos sintéticos, como aqueles produzidos a partir de derivados do petróleo ...

Em busca de ingredientes cosméticos mais seguros e sustentáveis

Produtos químicos sintéticos, como aqueles produzidos a partir de derivados do petróleo, são utilizados em cosméticos desde o século XIX. Eles permitiram padronizar e baratear a produção, tornando os produtos de higiene e beleza mais acessíveis para todos. Mas, preocupações com os efeitos destas substâncias sobre a saúde e o meio ambiente logo vieram à tona, e nas últimas décadas têm movido a indústria cosmética na busca por novos ingredientes. O mercado demanda produtos mais seguros, eficazes, baseados em recursos renováveis, altamente biodegradáveis e cujo processo de fabricação seja mais sustentável.

A vegetalização das formulações foi uma das maiores tendências, e ainda vem sendo seguida (embora hoje exista uma maior preocupação com as pegadas hídrica e de carbono). Na maioria dos casos os ingredientes de origem vegetal (extratos, óleos, resinas, óleos essenciais) constituem apenas uma pequena fração do produto final.  Mas há algumas empresas que conseguem substituir 100% da matéria-prima sintética e/ou de origem animal, como a americana Burt’s Bees. Um dos maiores obstáculos à aplicação de ingredientes vegetais são as limitações relacionadas ao fornecimento e à qualidade, que podem variar substancialmente conforme a época do ano ou o local de origem. Já as vantagens são muitas. O mercado para produtos naturais só faz crescer, graças a grande aceitação e procura por parte dos consumidores, que passaram por mudanças comportamentais e vêm buscando produtos com apelo mais sustentável e menos sintéticos. Além disso, ingredientes de origem vegetal podem ser considerados recursos renováveis, desde que obtidos a partir de um manejo adequado.

Infelizmente, não é possível substituir todos os compostos sintéticos por ingredientes vegetais. Os surfactantes são um exemplo. Também conhecidos como tensoativos, eles são amplamente utilizados em artigos de higiene e beleza (assim como em produtos de limpeza) pois funcionam como emulsificantes, agentes de limpeza, formadores de espuma e solubilizantes. Os sulfatos, por exemplo, possuem a capacidade de produzir espuma. São moléculas sintetizadas quimicamente que se organizam na forma de micelas, responsáveis por remover impurezas. No entanto, estas micelas se solubilizam facilmente na água, podendo poluir rios e mananciais. Embora existam algumas opções de surfactantes naturais, nem sempre sua funcionalidade pode ser equiparada com a dos sintéticos. Uma opção que tem sido alvo de muitas pesquisas são os chamados biosurfactantes. Produzidos a partir de microrganismos, eles apresentam baixa toxicidade e são biodegradáveis. Apesar dos maiores custos envolvidos em sua produção, alguns tipos de biosurfactantes já começaram a ser produzidos em escala comercial por companhias japonesas (Kaneka, Toyobo, Saraya) e americanas (Jeneil Biotech).

Outro grande desafio para a indústria cosmética é encontrar substitutos para os conservantes sintéticos. Hoje os parabenos (ésteres do ácido benzóico) são os mais aplicados, uma vez que são efetivos e baratos. No entanto, existem controvérsias com relação ao seu uso indiscriminado, que poderia causar riscos à saúde. É difícil encontrar substâncias naturais que sejam adequadas para a inibição do crescimento microbiano em largo espectro, necessária em produções de larga escala. Além disso, estas substâncias não podem interagir com os demais ingredientes, nem alterar a textura, a cor ou o odor do produto final. Atualmente os conservantes naturais mais efetivos são derivados de açúcares, ácidos graxos e aminoácidos. Temos como exemplo o Xilitol, açúcar obtido a partir de plantas, cuja atividade antimicrobiana já está descrita na literatura. Extratos de folhas das mais diversas espécies botânicas também têm sido amplamente estudados. Apenas para citar um exemplo, pesquisadores da UNESP avaliaram a ação antimicrobiana do extrato de Barbatimão (uma árvore nativa do cerrado) e acreditam que ele poderia ser utilizado inclusive na formulação de sabonetes anti-sépticos.

Estes são apenas exemplos. Muito trabalho tem sido feito na busca por substitutos para várias classes de ingredientes cosméticos, como os emolientes, polímeros, silicones, ésteres e muitos outros. Mas para alcançar a sustentabilidade é preciso repensar também os processos pelos quais os ingredientes são obtidos. A Química Verde é uma linha de pensamento que segue nesta direção. Tem como foco reduzir o uso de solventes, utilizar reagentes de baixo impacto ambiental e aumentar a eficiência dos processos industriais. Afinal, de pouco adianta criar cosméticos seguros para a saúde humana e o meio ambiente, se seu processo de fabricação gera resíduos tóxicos e implica em enormes gastos de energia.

 

Referências

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