Inovação Aberta e Colaborativa

Natalia Allenspach de Souza

A lixeira azul é para papel, a vermelha para plástico, verde para vidro e amarelo para metal. ...

É possível reciclar embalagens multimateriais?

        A lixeira azul é para papel, a vermelha para plástico, verde para vidro e amarelo para metal. Classificar os materiais deveria ser uma tarefa simples, mas quem nunca ficou em dúvida? A embalagem do leite longa vida vai para o cesto azul ou o amarelo? E a do bombom, que é de plástico por fora e metalizada por dentro? Embalagens como estas, confeccionadas com mais de um tipo de material, não só complicam a coleta seletiva, como são muito mais difíceis de reciclar. Claro que os fabricantes têm seus motivos. Cada material utilizado é responsável por conferir diferentes características às embalagens (como resistência, elasticidade, impermeabilidade, proteção contra a luz e o calor), e em conjunto garantem alto desempenho na função primordial de uma embalagem: a proteção dos produtos.

     Por um lado, embalagens multimateriais são mais eficazes, permitindo a redução de perdas durante o transporte dos produtos, e até mesmo prolongando sua validade. Por outro lado, embora seus componentes sejam tecnicamente recicláveis, a separação dos materiais é trabalhosa e encarece o processo. Muitas vezes o resultado final também não é da melhor qualidade, pois um material contamina o outro. A boa notícia é que soluções estão surgindo.

     As embalagens cartonadas, chamadas Tetra Brik - mais conhecidas pela marca, Tetra Pak - são um exemplo. Compostas por papel (75%), polietileno (20%) e alumínio (5%), elas revolucionaram o mercado alimentício ao permitir a conservação de alimentos sem refrigeração. Embora isso represente menos perdas e uma grande economia de energia, hoje são produzidas cerca de 12 bilhões de embalagens do tipo por ano. Sua reciclagem é complicada, mas viável. As embalagens descartadas são agitadas com água, o que hidrata as fibras de papel e permite sua separação. A mistura residual de alumínio e polietileno pode ser reciclada mecanicamente (para confecção de peças injetadas), por meio de pirólise (que recupera o alumínio) ou é incinerada para aproveitar a energia liberada. Em 2005 o Brasil recebeu a primeira instalação de reciclagem de embalagens Tetra Brik por meio de tecnologia de plasma. São necessários 15.000°C para ionizar a mistura de plástico e alumínio, resultando no metal em sua forma pura e em parafina, que pode ser aproveitada na indústria petroquímica.

     Embalagens fabricadas apenas com plástico também podem ser um grande desafio para a reciclagem. Isto porque muitas são compostas por partes ou camadas de polímeros diferentes, que exigem processos distintos de reciclagem, ou são incompatíveis em nível molecular. O PET e o PVC são um bom exemplo de plásticos que não devem ser misturados. O processamento do PET é realizado em altas temperaturas, que causariam a transformação do PVC em algumas substâncias, entre elas o ácido clorídrico. Por isso, mesmo pequenas quantidades de PVC contaminando PET podem inviabilizar sua reciclagem.

     A fim de evitar, ou pelo menos minimizar as contaminações de um tipo de plástico por outro, sua separação deve ser cautelosa. Geralmente, o primeiro passo consiste em uma separação primária, que pode ser manual ou automática. Depois disso o material é triturado em pedaços menores. Os grânulos ou flocos passam por um processo de lavagem, o que consome em torno de 2 a 3 metros cúbicos de água por tonelada de material, mas já estão surgindo técnicas de lavagem a seco. Então o material passa por uma segunda triagem, sendo separado com base na cor, densidade e propriedades eletrostáticas. O uso de lasers para a identificação dos grânulos é uma tecnologia recente, que apresenta a capacidade de diferenciar vários tipos de polímeros. Esta tecnologia somente é utilizada em algumas poucas instalações européias. A vantagem é que, quanto melhor a separação, maior o leque de aplicações que o material poderá ter, e mais vezes ele poderá passar pelo processo de reciclagem.

     Apesar da reciclagem de plásticos mistos ser mais trabalhosa, ela ainda representa uma “economia” na emissão de gases do efeito estufa, estimada em cerca de 0,5 tonelada de gás carbônico por tonelada de material reciclado, conforme dados do Waste & Resources Action Programme (2008). Esta informação ganha importância quando lembramos que a produção mundial de plásticos em 2010 chegou a 265 milhões de toneladas (segundo relatório da Plastics Europe, 2011), tendo como principal matéria-prima o petróleo. Infelizmente, a reciclagem de embalagens multimateriais ainda é bastante limitada pela ausência de tecnologias específicas para a separação adequada de alguns componentes, assim como pelos altos custos envolvidos. Mas uma das maiores barreiras que impedem o desenvolvimento do setor da reciclagem (de modo geral) é a coleta seletiva, praticamente inexistente na maioria dos municípios brasileiros.

     Em 2010 o panorama da reciclagem no Brasil começou a tomar novos rumos, impulsionado pela implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos. A fim de reduzir a disposição de resíduos em aterros, a nova legislação incentiva o reuso e a reciclagem de materiais, além de tornar as empresas co-responsáveis por todo o ciclo de vida de seus produtos. Isto causa um grande impacto para o setor de embalagens, cujo desafio agora é criar opções que utilizem menos material e sejam mais fáceis de reciclar, ao mesmo tempo em que permaneçam atraentes para o consumidor e mantenham a praticidade nos quesitos transporte, armazenagem e distribuição.

     Hoje, uma das grandes apostas do setor é a embalagem laminada tipo stand-up pouch. Seu design representa uma enorme economia de material em relação às embalagens rígidas. Extremamente prática, ela já pode ser encontrada em qualquer supermercado, protegendo vários tipos de alimentos e produtos de limpeza. Só existe um porém: a maioria das empresas de reciclagem ainda não trabalha com embalagens laminadas. Embora já existam algumas alternativas pioneiras na reutilização e reciclagem destas embalagens, ainda são necessários estudos que desenvolvam tecnologias para uma aplicação mais ampla, que permitam sua efetiva reinserção na cadeia de reciclagem.

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Referências

HOPEWELL, J.; DVORAK, R.; KOSIOR, E. 2009. Plastics recycling: challenges and opportunities. Philosophical Transactions of the Royal Society B 364: 2115-2126. doi:10.1098/rstb.2008.0311

MARSH, K.; BUGUSU, B. 2007. Food packaging – roles, materials, and environmental issues. Journal of Food Science 72(3): 39-55. doi: 10.1111/j.1750-3841.2007.00301.x

PLASTICS EUROPE, 2011. Plastics – the Facts 2011. An analysis of European plastics production, demand and recovery for 2011. 

http://www.plasticseurope.org/documents/document/20111107101127-final_pe_factsfigures_uk2011_lr_041111.pdf

PIERCE, L. M. 2011. Nº 2 Pouch can be recycled with shopping bags. Packing Digest, 30 de Agosto de 2011. Disponível em: http://www.packagingdigest.com/article/519234-No_2_Pouch_can_be_recycled_with_shopping_bags.php

TETRA PAK LTDA. 2011. Relatório de Sustentabilidade 2010-2011. Disponível em: http://www.tetrapak.com/br/sustentabilidade/relatóriodesustentabilidade/pages/default.aspx

WRAP (2008) LCA of management options for mixed waste plastics. London, UK: Waste & Resources Action Programme, MDP017. Disponível em: http://www.wrap.org.uk/sites/files/wrap/LCA%20of%20Management%20Options%20for%20Mixed%20Waste%20Plastics.pdf

YANG, Y.; BOOM, R.; IRION, B.; HEERDEN, D.J.; KUIPER, P.; WIT, H. 2011. Recycling of composite material. 

Chemical Engineering Processing doi:10.1016/j.cep.2011.09.007

ZORKMAZ, A.; YANIK, J.; BREBU, M.; VASILE, C. 2009. Pyrolyses of the tetra pak. Waste Management 29: 2836-2841. doi:10.1016/j.wasman.2009.07.008