Bem-estar e Ciência das Relações

Maria Cristina Valzachi

Quando conversamos com uma criança, não há como não se divertir com suas respostas ...

Como as experiências agem em crianças e adolescentes

Quando conversamos com uma criança, não há como não se divertir com suas respostas; que por estarem, muitas vezes, baseadas em uma lógica frágil, tornam-se engraçadas. Isso é tão natural (e faz com que elas sejam tão bonitinhas), que muitas vezes não pensamos na vantagem adaptativa que essa característica pode representar. E os adolescentes, atirados e aventureiros, envolvem-se em atividades de risco e sempre procuram relacionamentos fora do ambiente familiar. Graças a particularidades desses períodos do desenvolvimento humano, os jovens tornam-se mais aptos a aprender coisas novas, criando uma janela de oportunidade para seu aprimoramento.

Um estudo realizado nos Estados Unidos mostrou êxito ao projetar uma série de sessões de “treinamento de amizade” para crianças impopulares. Os alunos da terceira e quarta séries que eram os menos queridos de suas classes receberam seis sessões sobre como “tornar as brincadeiras mais divertidas”, sendo “amigo divertido e legal”. As crianças eram estimuladas, por exemplo, a pensar em sugestões e acordos alternativos (em vez de brigar), se discordavam das regras; dizer alguma coisa simpática quando a outra pessoa se saía bem; sorrir e oferecer ajuda ou sugestões de encorajamento. Como resultado, um ano após receberem o treinamento, as crianças treinadas (todas escolhidas por serem as menos queridas de suas salas) tinham uma vida social normal, e nenhuma delas era rejeitada. Esses programas apresentam uma taxa de sucesso de 50 a 60 por cento na elevação da popularidade de crianças rejeitadas, e parecem funcionar melhor para alunos de terceira e quarta séries do que de séries mais altas.

As estruturas cerebrais das crianças e adolescentes encontram-se em desenvolvimento, apresentando diferenças anatômicas e funcionais. Por exemplo, dos quatro aos 17 anos de idade, há um aumento progressivo na densidade da substância branca cerebral, provavelmente devido ao aumento da mielinização neuronal e do calibre dos axônios (Paus et al, 1999). Além disso, ocorrem alterações marcantes na taxa metabólica cerebral dos jovens (Kety, 1956), o que reflete maior neuroplasticidade, isto é, seus circuitos neurais são mais facilmente modificados (para relembrar a importância desse efeito, ler o post “A construção das redes neurais”). O córtex pré-frontal, uma área cerebral importante para o julgamento, tomada de decisões e controle das respostas emocionais, é uma das últimas regiões a se desenvolver completamente, o que explica o maior comportamento de risco e a impulsividade característicos da adolescência (na verdade, há uma limitação da capacidade de inibição motivacional). Essas características permitem que os jovens aprendam novos conceitos e conhecimentos (sejam eles bons ou ruins) com mais facilidade.

Infelizmente, essa maleabilidade neuronal nem sempre é aproveitada de uma forma boa, como vimos anteriormente. Um levantamento realizado em 2010, em 11 capitais brasileiras, mostrou que mais de 70% dos 4.025 entrevistados apanharam quando criança, e que para 20% deles, a punição física ocorreu de forma regular. O estudo foi divulgado em junho deste ano pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo, e também revelou que as vítimas de violência grave na infância estão mais sujeitas a serem vítimas de violência ao longo da vida. De acordo com Nancy Cardia, vice-coordenadora do NEV, a criança passa a entender que a violência é uma opção legítima e vai usá-la, por exemplo, quando tiver um conflito com colegas de classe; mas ao agredir, ela também pode sofrer agressão e tornar-se vítima, e isso cresce de forma exponencial ao longo da vida.

Embora esse resultado me pareça alarmante, meu objetivo aqui não é discutir a violência, mas chamar a atenção para as diferenças biológicas que fazem com que crianças e adolescentes sejam psicologicamente mais suscetíveis às experiências do que os adultos, bem como para as consequências disso na construção das redes neurais, formação da memória e determinação do comportamento. Muita coisa boa pode ser feita se soubermos aproveitar essas diferenças positivamente! Todo o esforço é válido, e tenho visto muita coisa nesse sentido, por exemplo, pais que se empenham em transformar seus filhos em pessoas de bem; assim como escolas que ensinam lições de cidadania e de respeito ao meio-ambiente às crianças, e fazem com que elas cresçam com essa consciência. Nunca é demais lembrar que os aprendizados adquiridos nesse período podem acompanhar o indivíduo ao longo de toda a sua vida, e isso deve ser levado em consideração por todos aqueles que pretendem entender melhor o comportamento humano.

 

Referências bibliográficas

Foto: Rodrigo Rocco Razuk Maluf.

Asher S, Willians G. Helping children without friends in home and school contexts. Children’s social development: information for parents and teachers (Urbana and Champaign: University of Illinois Press, 1987);

Kety SS. Human cerebral blood flow and oxygen consumption as related to aging. Res Publ Assoc Res Nerv Ment Dis. 1956;35:31–45;

Paus T, Zijdenbos A, Worsley K, Collins DL, Blumenthal J,  Giedd JN, Rapoport JL, Evans AC. Structural maturation of neural pathways in children and adolescents: in vivo study. Science. 1999;283:1908–11;

Spear LP. The adolescent brain and age-related behavioral manifestations. Neurosci Biobehav Ver. 2000;24:417-63;

Toledo K. http://agencia.fapesp.br/15812.