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Maria Cristina Valzachi

É tão bom acordar de manhã e sentir aquele cheirinho de café pela casa ...

Cheiros, lembranças e emoções

É tão bom acordar de manhã e sentir aquele cheirinho de café pela casa; ou, após um banho, usar um perfume que traduza nosso estado de espírito. Às vezes tenho a impressão de que alguns odores geram uma sensação mágica em nós, é como se despertassem algo que nem mesmo sabemos o que é. Uma espécie de lembrança vaga, como se “existisse algo no ar”. Mistério, talvez essa seja a melhor palavra para definir o olfato, pois a verdade é que apesar das muitas teorias existentes, ninguém sabe ao certo como sentimos os cheiros.

No começo do estudo do olfato, os fisiologistas tentaram descobrir se existiam cheiros básicos, os quais, misturados em diferentes proporções, seriam responsáveis por gerar os vários tipos de odores, de modo similar ao que ocorre com as cores primárias. Com base nessa ideia, na década de 50, surgiu a primeira classificação dos odores: 1. canforados, 2. almiscarados, 3. florais, 4. mentolados, 5. etéreos, 6. irritantes, 7. pútridos. No entanto, essa divisão serviu apenas para facilitar a descrição olfativa, pois a tentativa de encontrar os cheiros básicos não teve sucesso, e a pesquisa continuou.

A mucosa da cavidade nasal é recoberta por um muco continuamente secretado, onde as moléculas odorantes do ar são dissolvidas e entram em contato com os neurônios bipolares, que são os quimiorreceptores envolvidos na olfação. Os dendritos dessas células possuem cílios que se estendem pela cavidade nasal, formando uma densa rede, enquanto os axônios são direcionados para cima e penetram na cavidade craniana. Na membrana dos cílios, encontram-se os receptores olfatórios, os quais são produzidos por mais de 1.000 genes que originam cerca de 400 receptores olfatórios diferentes! A quantidade de receptores específicos é bastante alta em comparação aos outros sentidos, no entanto, o ser humano pode reconhecer um número muito maior de odorantes (de 10.000 a 400.000), e os pesquisadores tentam descobrir como isso ocorre.

Os axônios dos neurônios bipolares formam feixes nervosos que alcançam o bulbo olfatório (no encéfalo), onde formam sinapses com outras células que se projetam para regiões corticais e, posteriormente, para o sistema límbico, o que explica a influência dos cheiros sobre as emoções e lembranças. De fato, os odores têm uma habilidade enorme para nos fazer lembrar, e essas memórias são, com frequência, caracterizadas por uma forte conotação emocional e pela especificidade, o que permite que o olfato seja de particular importância, por exemplo, para estudar a memória autobiográfica.

Da mesma forma que os cheiros podem evocar emoções, estas também podem alterar a sensibilidade olfatória. Um estudo realizado na Alemanha, com 32 indivíduos, mostrou que a sensibilidade do olfato era significativamente diminuída em todos os sujeitos do grupo após a apresentação de uma figura negativa e diminuía somente nos homens após a apresentação de uma figura positiva (as imagens usadas para o estímulo emocional foram selecionadas do IAPS – International Affective Picture System*). As taxas de avaliação de prazer e intensidade relatadas pelos participantes dependiam do teor da imagem: após a apresentação da figura negativa, o odor era avaliado como menos prazeroso e mais intenso, enquanto a figura positiva levava a um aumento no prazer relatado. Esse exemplo demonstra a conexão existente entre o olfato e a afetividade, o que pode ajudar a explicar os benefícios produzidos pelos cheiros sobre a saúde, como veremos no próximo post.

 

* IAPS: O International Affective Picture System foi desenvolvido com o objetivo de disponibilizar um grande número de fotografias padronizadas, capazes de evocar emoções, internacionalmente acessíveis, em diversas categorias.

 

Referências

Hall, JE. Sensações somáticas: Os sentidos químicos – Gustação e olfação. In: Tratado de Fisiologia Médica (Guyton, AC; Hall, JE). 2011; p. 683-90, Editora Elsevier;

Lent R. Os sentidos químicos. In: Cem bilhões de neurônios – Conceitos fundamentais de neurociência (Lent, R). 2004; p. 340-65, Editora Atheneu;

Pollatos O, Kopietz R, Linn J, Albrecht J, Sakar V, Anzinger A, Schandry R, Wiesmann M. Emotional Stimulation Alters Olfactory Sensitivity and Odor JudgmentChem. Senses. 2007;32: 583–9;

Zucco GM, Aiello L, Turuani L, Koster E. Odor-Evoked Autobiographical Memories: Age and Gender Differences Along the Life Span. Chem. Senses. 2012;37: 179-89.

Figura: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Tina_Liang_asian_model_smells_the_fennel.jpg