Sustentabilidade

Natalia Allenspach de Souza

O termo “biorrefinaria”, ou refinaria de biomassa, surgiu nos anos 90 e referia-se ao uso do milho ...

Biorrefinarias: biomassa em vez de petróleo

O termo “biorrefinaria”, ou refinaria de biomassa, surgiu nos anos 90 e referia-se ao uso do milho e da soja como base para a produção de combustíveis e também de outras substâncias que têm aplicação na indústria química. O uso da palavra refinaria remete às refinarias de petróleo, onde múltiplos produtos são produzidos a partir de uma mesma matéria-prima. Hoje o conceito de biorrefinaria abrange o uso das mais diversas fontes de biomassa, entre elas o trigo, milho, beterraba e cana-de-açúcar, com potencial para serem convertidas em biocombustíveis, rações, solventes, plásticos e insumos para a indústria química, farmacêutica e cosmética. Por ser um recurso renovável, a biomassa apresenta uma enorme vantagem com relação ao petróleo.

 

Em uma biorrefinaria, o uso da biomassa é otimizado através de sistemas integrados, inter-relacionando matérias-primas, processos, tecnologias, produtos e resíduos. A ideia é gerar energia (biocombustíveis) ao mesmo tempo em que são produzidos vários tipos de produtos de alto valor agregado. Apesar de existirem outras fontes viáveis de energia limpa, como a eólica, a solar e até mesmo a nuclear, os biocombustíveis permitem também suprir a produção de insumos químicos para a indústria.

 

Acredita-se que em 2025 cerca de 30% dos insumos para a indústria química serão produzidos de forma sustentável, a partir de fontes renováveis. Mas isso só será possível com o desenvolvimento de novas tecnologias. Atualmente, dois modelos de biorrefinarias têm se mostrado bastante promissores. As chamadas “plataformas de açúcar” utilizam fermentação e outros processos biológicos para converter a biomassa em açúcares, a partir dos quais podem ser fabricados outros produtos. Um relatório solicitado pelo departamento de energia dos EUA identificou 12 insumos químicos “chave” que poderão ser produzidos a partir de açúcares em biorrefinarias. Estas substâncias (entre elas o ácido succínico, o sorbitol e o glicerol) podem ter aplicação direta e também funcionar como “blocos construtores” para criar uma infinidade de outros produtos. Já a “plataforma de syngas” utiliza métodos termoquímicos para gaseificar a biomassa, originando um gás conhecido como syngas (synthesis gas). Este gás pode ser convertido em metanol, a partir do qual são produzidos vários derivados de maior valor agregado. O syngas também pode ser utilizado para produzir gás natural sintético.

 

Para a indústria do papel, a pesquisa em biorrefinaria é uma grande oportunidade na busca por alternativas para desconstruir a madeira em seus componentes principais: celulose, hemicelulose e lignina. A lignina, que representa aproximadamente 25% da madeira, é composta por grupos fenólicos que podem ser desdobrados em uma enorme gama de produtos como dispersantes, emulsificantes, aglutinantes e adesivos. Ou seja, apesar dos biocombustíveis serem o carro-chefe das biorrefinarias, elas também serão capazes de suprir novos e variados mercados, baseados em produtos renováveis e ambientalmente amigáveis.

 

Cada país procura adequar a tecnologia conforme sua vocação para a produção de biomassa. Na Áustria, por exemplo, a pesquisa é voltada para o aproveitamento das forrageiras (capim), uma vez que as áreas de pastagens estão sendo abandonadas com a redução da pecuária. Já o Japão aposta na aplicação de microalgas cultivadas como fonte de biomassa. Na França, o grupo ARD (Agro-Industrie Recherches et Développements), criado por agricultores nos anos 80, é hoje a primeira plataforma inovadora em biotecnologia, que visa tornar-se um centro de referência internacional em biorrefinaria.  Entre as empresas que fazem parte desse grupo estão a Soliance, Futurol, Wheatoleo, FRD e BioAmber. Suas expertises incluem o fracionamento de plantas e biorrefinamento, biotecnologia branca (industrial), química de bioprodutos e agro-materiais. Um dos focos do grupo para a indústria cosmética é a produção de biosurfactantes, ácido hialurônico, dihidroxiacetona e ingredientes derivados do ácido succínico.

 

Investimentos em biorrefinarias devem crescer muito, já que sua produção será flexível e variada, podendo atender diferentes mercados e assim reduzindo os riscos. Nos EUA foram criadas instalações piloto com previsão de iniciar a comercialização de seus produtos em 2020. O Brasil, pioneiro na produção de etanol a partir de cana-de-açúcar, têm grande potencial para desenvolver esta nova matriz energética. Um mapa disponibilizado pelo grupo “Biorrefinaria Brasil” (https://biorefinery.crowdmap.com/) permite visualizar a localização das iniciativas relacionadas ao segmento em todo o mundo. Atualmente, Europa e EUA lideram em número de projetos.

Outra opção de grande importância para as biorrefinarias é a possibilidade de utilizar rejeitos como fonte de biomassa. Só no Brasil são produzidos, anualmente, cerca de 600 milhões de toneladas de rejeitos agrícolas, como a palha do milho e do trigo e os resíduos oriundos da silvicultura. Resíduos industriais também podem ter utilidade em biorrefinarias, tornando possível uma grande sinergia entre estes empreendimentos. Essa simbiose industrial é uma forte tendência atual, pois aumenta a competitividade ao mesmo tempo em que reduz os impactos ambientais. As perspectivas são muitas. Ao que tudo indica, as biorrefinarias vieram para ficar.

 

Referências

Agro-Industrie Recherches et Développements. http://www.a-r-d.fr [acessado em 10/10/12]

EL BASSAM, N. 2010. Handbook of bioenergy crops – a complete reference to species, development and applications. London: Earthscan. 516p.

FERREIRA-LEITÃO, V. et al. 2010. Biomass residues in Brazil: availability and potential uses. Waste Biomass Valor 1:65-76. Disponível em: http://www.alice.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/856734/1/Id683B3.pdf

KAMM, B. 2007. Production of platform chemicals and synthesis gas from biomass. Angew. Chem. Int. 46: 5056-5058. Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/anie.200604514/pdf

MARTIN, Caroline. 2011. Biorrefinaria industrial. O papel 72:30-36. Disponível em: http://www.revistaopapel.org.br/noticia-anexos/1302090574_4ece2ae090be1070c0ede8a778feb526_1985635854.pdf

MOUSDALE, D. M. 2010. Introduction to biofuels. Boca Raton, Florida: CRC Press. 429p.

National Renewable Energy Laboratory. http://www.nrel.gov/biomass/biore­finery.html [acessado em 15/10-12]

 

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