Sustentabilidade

Natalia Allenspach de Souza

O esgotamento dos recursos não renováveis ganhou foco na década de 70 ...

Bioetanol: desafios e oportunidades

O esgotamento dos recursos não renováveis ganhou foco na década de 70, com debates inflamados pelo avanço da crise do petróleo e influenciados por publicações como “Os limites do crescimento” (Clube de Roma, 1972). Foi nesta época que surgiu a primeira geração de biocombustíveis, produzidos a partir de produtos agrícolas e, portanto, baseados em recursos renováveis. Com o programa Proálcool o Brasil alavancou a produção de etanol a partir de cana-de-açúcar, que hoje substituí cerca de 40% da gasolina consumida no país. Nos Estados Unidos, toneladas de amido de milho são transformadas em etanol todos os anos, enquanto a Europa elegeu o trigo para esta finalidade.

Fontes renováveis, sim, mas nem por isso totalmente sustentáveis. Basta lembrar que, no Brasil, a área de cultivo de cana-de-açúcar aumentou notáveis 9,2% em apenas um ano (entre 2010 e 2011). Além disso, o etanol de primeira geração compete com a produção de alimentos, exigindo áreas de cultivo cada vez maiores. A atual preocupação com a redução dos estoques de recursos renováveis – como as florestas – levou ao desenvolvimento de uma nova geração, o bioetanol, desta vez baseada em um recurso farto e que é desperdiçado todos os dias: a celulose. Esta cadeia formada por moléculas de glicose é o polímero natural mais abundante do planeta. E é encontrado em grandes concentrações justamente nos resíduos gerados pela agricultura e pela silvicultura: serragem e cavacos de madeira, bagaço de cana e de laranja, palha de cana/milho/trigo/arroz, etc... Toneladas de biomassa com grande potencial para virar bioetanol.

 

 

 

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A celulose é encontrada na parede celular que envolve as células vegetais. Geralmente ela está associada à hemicelulose (que também pode ser aproveitada para a produção de etanol) e à lignina, juntas formando a matriz lignocelulósica. O primeiro passo na produção do etanol consiste em separar estas substâncias. A próxima etapa envolve a quebra dos polissacarídeos em partes menores, o que vai viabilizar a ação das leveduras responsáveis pela fermentação. A celulose se desdobra em hexoses (moléculas com 6 carbonos, como a glicose), enquanto a hemicelulose origina pentoses (moléculas de 5 carbonos). Isto pode parecer apenas um detalhe, mas faz toda a diferença no processo de fermentação. A fermentação das hexoses é razoavelmente bem conhecida, uma tecnologia resgatada da primeira geração de biocombustíveis. Já a possibilidade de utilizar pentoses na produção de etanol é uma grande novidade, que no futuro permitirá ampliar muito a produtividade do processo, gerando menos resíduos e reduzindo custos.

A separação e fragmentação da celulose/hemicelulose podem ser realizadas por meio de calor associado à ação de agentes químicos. Mas o aquecimento da mistura pode exigir um gasto de energia tão alto que não compensa. Purificar o produto final, retirando os agentes químicos aplicados, também é um processo complicado. Uma nova frente de pesquisa busca por enzimas que realizem este trabalho. As inspirações estão na natureza: fungos encontrados sobre troncos caídos literalmente se alimentam da madeira, assim como cupins digerem a celulose com o auxílio de microorganismos que vivem em seus sistemas digestórios. Enzimas isoladas destes e de outros seres vivos têm apresentado resultados promissores, mas é difícil fazer a transição para a escala industrial. Ainda assim, essa tecnologia começa a dar frutos. A GraalBio acaba de anunciar que iniciará a produção comercial de bioetanol de segunda geração em 2013, em uma instalação no estado do Alagoas.

Enquanto a tecnologia do etanol celulósico avança, começa a despontar um novo rumo – paralelo – para os biocombustíveis. A terceira geração tem como foco a aplicação de micro-organismos, e vai contar com o auxílio da engenharia genética. Um dos caminhos possíveis é utilizar biomassa de microalgas como substrato (fonte de carbono) para a produção de bioetanol. Seu cultivo é mais simples que o dos produtos agrícolas convencionais e elas exigem áreas muito menores, já que sua produtividade é significativamente maior. As outras etapas são semelhantes aos processos já utilizados na produção de bioetanol. Outra possível alternativa, ainda mais elegante, é o desenvolvimento de microalgas que fabriquem, por si só, o bioetanol. Experimentos já estão sendo feitos com algas-azuis (cianofíceas).

De fato, não existe uma solução única. Mas é esta flexibilidade que torna o bioetanol uma tecnologia tão promissora. Sua produção é possível a partir de múltiplas fontes de biomassa, podendo ser adaptada conforme as condições e necessidades locais. Ao aproveitar rejeitos que não teriam utilidade, agrega-se mais valor à agricultura. Já o cultivo de microalgas poderá ampliar o leque de opções em regiões menos propensas à agricultura convencional. Tudo isso sem a necessidade de ampliar as áreas de cultivo e, conseqüentemente, reduzindo o desmatamento. Desta forma, o bioetanol de segunda e terceira geração mostra-se essencial no desenvolvimento de uma nova matriz energética, mais limpa, e capaz de impulsionar o desenvolvimento sustentável.

 

Bibliografia consultada:

AHMAD, A. L. et al (2011) Microalgae as a sustainable energy source for biodiesel production: a review. Renewable and Sustainable Energy Reviews 15: 584-593

EMBRAPA (2011) Etanol lignocelulósico (folder). Disponível em: http://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/887226/1/Etanolcelulosico.pdf