Entrevista com Prof. Dr. Mário Peres
“Para se tratar dos olhos é preciso tratar da cabeça, para se tratar da cabeça é preciso tratar do corpo integralmente, para se tratar do corpo integralmente tem que se tratar a alma. Negligenciar essa verdade é a causa de tantas falhas dos médicos gregos atualmente” (Platão, 427 – 347 a.C.).
Este é o texto que abre o primeiro capítulo do livro “Dor de cabeça – o que ela quer com você?” de autoria do prof. Dr. Mário Peres, neurologista, professor da pós-gradução em Neurologia/Neurociências da UNIFESP e pesquisador sênior do Hospital Israelita Albert Einstein (1).
Este texto pode ser considerado bem atual. Raros são os médicos ocidentais que avaliam o ser humano em sua integralidade e buscam tratá-lo desta forma. Talvez seja por isto que provavelmente poucas pessoas já pararam para analisar a questão proposta por este título. E não são poucas as pessoas que sofrem deste mal: um estudo epidemiológico, conduzido pelo próprio Dr. Mário, estima que 27,3 milhões de brasileiros (15,2% da população) sofrem de enxaqueca! (2).
Além do desconforto que este tipo de dor causa (e quem vivencia este mal sabe bem do que estamos falando!), a pessoa que tem enxaqueca ainda está sujeita a maior risco de desenvolver outras comorbidades, como retrata a figura abaixo, extraída do seu livro acima citado (1):
Mas, afinal, o que é a enxaqueca? Como se livrar deste problema?
Para respondermos a essas, e outras questões, nada melhor que contarmos com a contribuição do próprio Dr. Mário, que gentilmente presenteou-nos com uma pequena entrevista! Agradecidos, vamos a ela!
Vânia: Dr. Mário, em seu livro há uma clara diferenciação entre enxaqueca e cefaleia tensional. Poderia explicar-nos resumidamente?
Dr. Mário: A enxaqueca lateja, é mais de um lado da cabeça, é mais forte, tem a presença de enjoo, incômodo com a luz e barulho e a cefaleia tensional tem a dor em peso, se apresenta dos dois lados da cabeça, é mais fraca e não apresenta sintomas associados geralmente.
Vânia: Quais são as principais práticas e atitudes indispensáveis para eliminar as dores de cabeça em geral?
Dr. Mário: O conceito fundamental é o de prevenção; os tratamentos para evitar o aparecimento das dores de cabeça e cortar a dor depois que ela aparece são também importantes, mas sem prevenir não se vai muito longe.
Vânia: O estudo publicado neste ano sobre a relação entre ansiedade e prevalência de enxaqueca primária, que envolveu 383 moradores de Paraisópoles e contou com sua participação, mostrou que pessoas que sofrem de dores de cabeça tiveram uma prevalência mais alta de sintomas de ansiedade e que a presença de dois ou mais critérios de ansiedade foi associada ao distúrbio de dor de cabeça (3). Comente esta relação.
Dr. Mário: Ansiedade é algo muito frequente nos pacientes com enxaqueca, é causa de dores, torna-as mais fortes, frequentes e duradouras. É importante fazer o reconhecimento para direcionar o tratamento adequadamente.
Vânia: Sobre a relação entre enxaqueca e terrores do sono: outro estudo que contou com sua participação, conduzido com 158 adolescentes entre 10 a 19 anos, mostrou que os pacientes que sofrem de enxaqueca tiveram proporcionalmente mais relatos de terrores do sono, quando comparado ao grupo controle (4). Em nosso último post, o prof. Dr. Valdemar Setzer, do Instituto de Matemática e Estatística da USP, comentou sobre os efeitos negativos dos meios de comunicação para crianças e adolescentes, sendo um deles o excesso de estímulo que gera agitação. Você acredita que o maior tempo que os adolescentes passam em frente à televisão, video games e jogos de computador pode ter relação com estes dados observados no estudo?
Dr. Mário: Qualquer excesso, qualquer sobrecarga pode provocar mais dor de cabeça. O exagero em número de horas dedicadas aos video games e TV numa postura inadequada, sem ingestão de líquidos e alimentação, passar a privar horas de sono, e comprometer também atividades físicas são problemas adicionais.
Vânia: Um estudo publicado pela Headache que avaliou a relação entre enxaqueca episódica e qualidade do sono, sonolência diurna e higiene do sono mostrou que a má qualidade do sono é significativamente associada com maior freqüência de dor de cabeça (5). Quais as suas dicas, como neurologista e estudioso do tema, para uma boa noite de sono?
Dr. Mário: Uma boa noite de sono é fundamental para uma vida saudável. A higiene do sono consiste em:
· evitar bebidas cafeinadas à noite;
· evitar ingestas excessivas de comida antes de dormir;
· não reservar o período da noite para resolver problemas, discutir, se exaltar em conversas;
· evitar bebida alcoólica (pode induzir o sono, mas fragmenta todo o sono);
· evitar atividades físicas muito extenuantes (podem deixar a pessoa mais ativa e inibir o sono).
Vânia: Tema de inúmeras pesquisas e publicações recentes, a terapia com melatonina (hormônio produzido naturalmente pelo organismo) tem mostrado benefícios tanto para melhorar a qualidade do sono, como para aliviar as crises de dor de cabeça, como apresentado em reportagem recente pela revista Isto é, que também conta com sua contribuição (http://www.istoe.com.br/reportagens/317231_O+SUPER+HORMONIO). No Brasil, infelizmente, ainda existe restrição quanto ao uso, porém nos Estados Unidos é vendido como suplemento alimentar, sendo possível a compra através de sites de importação. Existe algum risco associado ao uso não prescrito por médico?
Dr. Mário: A melatonina é muito segura, mas se tomada de manhã, por exemplo, ou tomada em horários irregulares não vai ter o efeito desejado. Apesar de segura, só médico saberá melhor titular a dose da melatonina, definir a melhor estratégia de tratamento e avaliar as interações.
Vânia: Em seu livro, há um capítulo dedicado à Espiritualidade, no qual fica clara a importância do “autoconhecimento da doença como uma oportunidade de aprendizado e crescimento pessoal”. Você aborda esta questão com seus pacientes? Gostaria de deixar alguma mensagem neste sentido?
Dr. Mário: Espiritualidade, religiosidade, fé são temas que permeiam a experiência humana, negligenciá-los é perder a dimensão integral do ser humano. Sempre que pertinente, abordo com os pacientes esta questão, isto ajuda demais na aderência e boa evolução do tratamento.
Mário Peres é doutor em neurologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), atualmente faz parte do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein. Responsável pela fundação e direção do Centro de Cefaleia São Paulo, fez pós-doutorado na Jefferson Headache Center, centro clínico localizado na Filadélfia, considerado referência para o tratamento de dor de cabeça nos EUA.
Exerce, também, entre outras funções, a de professor do curso de pós-graduação Neurologia/Neurociências da Escola Paulista de Medicina e pesquisador do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.
O Dr. Mario Peres teve o projeto aprovado na Chamada de Projetos Natura Campus 2012, com o título “Influência do otimismo e pessimismo em cefaleias primárias”.
Vânia Hercilia Talarico Bruno é Farmacêutica-Bioquímica, com ênfase de formação em Alimentos e Nutrição pela UNESP e pós-graduada em Administração Industrial pela Fundação Vanzolini - USP. Massoterapeuta formada pela Escola Amor (Associação da Massagem Oriental) e mãe de Gabriel (3) e Guilherme (1.8). Atualmente dedica-se à maternidade, ao estudo de temas filosóficos e à prestação de serviços em Consultoria Científica.
Contato: vaniatal@yahoo.com.br
Referências:
1. Peres, M. Dor de cabeça – o que ela quer com você? Ed. Integrare. 167 p. 2008;
2. Queiroz LP, Peres MF, Piovesan EJ, Kowacs F, Ciciarelli MC, Souza JA, Zukerman E. A nationwide population-based study of migraine in Brazil. Cephalalgia. 2009 Jun;29(6):642-9;
3. Lucchetti G, Peres MF, Lucchetti AL, Mercante JP, Guendler VZ, Zukerman E. Generalized anxiety disorder, subthreshold anxiety and anxiety symptoms in primary headache. Psychiatry and Clinical Neurosciences 2013; 67: 41–49;
4. Fialho LM, Pinho RS, Lin J, Minett TS, Vitalle MS, Fisberg M, Peres MF, Vilanova LC, Masruha MR. Sleep terrors antecedent is common in adolescents with migraine. Arq Neuropsiquiatr. 2013 Feb;71(2):83-6;
5. Walters AB, Hamer JD, Smitherman TA. Sleep Disturbance and Affective Comorbidity Among Episodic Migraineurs. Headache. 2013 Jun 28. doi: 10.1111/head.12168;