Inovação em Produtos Cosméticos

Carolina Lavini Ramos

Não podemos negar a extensão e a rica biodiversidade da nossa flora; nem mesmo as possibilidades atrativas ...

Complexidade mata adentro

      Não podemos negar a extensão e a rica biodiversidade da nossa flora; nem mesmo as possibilidades atrativas de princípios ativos escondidos dentre suas folhas e raízes.  No entanto entre a descoberta de um novo ingrediente até a sua real utilização em um produto há um  longo caminho, que muitas vezes pode retornar ao ponto de partida.

      A busca por novos extratos botânicos que possam ser utilizados em cosméticos realmente não  é fácil. Claro que existe uma grande aporte de tecnologias de última geração, mas elas tendem a adicionar uma grande complexidade a  análise dos dados obtidos.

      Os estudos iniciam-se com uma busca teórica sobre os mecanismos de ação de um determinado ingrediente para entender sua influência no homem, sob o olhar do conhecimento popular em diferentes culturas. Paralelamente buscas na literatura visam encontrar fontes naturais de moléculas que já foram descritas com um potencial semelhante. Somente após esta etapa de busca teórica é que iniciam-se os testes experimentais. Há um rígido controle de qualidade na  identificação e caracterização dos compostos principais de modo a permitir reprodutibilidade futura. Só assim a molécula de interesse é isolada, purificada e caracterizada de acordo com composição fitoquímica, espectro de emissão e sua massa,  por meio de tecnologias clássicas  como cromatografia líquida de alta performance, cromatografia gasosa, fotodiodo de emissão ultravioleta e espectometria de massa.

      Bem, agora as amostras já estão prontas para uso, certo? Errado.  Esse processo até o momento é necessário para corroborar dados já conhecidos na literatura ou mesmo para identificar uma nova fonte natural da molécula de interesse, caso tenha sido eficaz suficiente nos pré-testes. Caso contrário todo o procedimento é reiniciado.

       Nesse mundo dos ingredientes botânicos é fantástica e ao mesmo tempo complexa a rede de ação dessas moléculas. Várias delas podem atuar sinergicamente em um mesmo alvo biológico, mostrando que a busca por bioativos é uma tarefa desafiadora.
Concomitante a esse desafio surgiu a necessidade de novos estudos e estratégias tecnológicas automatizadas para melhor esclarecer as diversas vias metabólicas e moleculares e suas interações que são ativadas simultaneamente em um mesmo processo biológico. 

      Quem nunca ouviu falar do sequenciamento do genoma humano (completo no ano de 2003)? Esse foi o início de uma nova era tecnológica, com estratégias de análise de screening em larga escala, pois avaliam muitos parâmetros simultaneamente de informações que são geradas de uma só vez. Essas técnicas são conhecidas como HTS (do inglês,  high throughput screening) e englobam a análise de microarranjos de DNA (DNA microarray) e das “omicas” como genômica (estudo da sequência de DNA, dos genes), proteômica (estudo das proteínas), epigenômica (estudo das modificações epigenéticas (ver post “Do DNA a metilação”) e trasncriptômica (estudo da sequência de genes que estão sendo traduzidas em um determinado momento).

      Mas a rápida geração de informação mudou o rumo do desafio: conseguir correlacionar as múltiplas moléculas e vias metabólicas estudadas com o comportamento celular e o potencial terapêutico de cada uma delas. Entra no jogo agora a multidisciplinaridade entre matemáticos, engenheiros da computação, biólogos, médicos, físicos e químicos para conectarem os dados para melhor entender a complexidade biológica.

      Essa mudança de paradigma contribuiu para o aumento significativo do número de cosméticos lançados nos últimos 6 anos.
Assim mesmo com um custo 20% mais elevado do que as tecnologias tradicionais, a HTS compensa na velocidade de geração de dados e no potencial de se descobrir a não apenas a multifuncionalidade dos novos ingredientes botânicos, mas também de novas vias celulares.

      Está cada vez mais claro que a complexidade biológica exige  também uma complexa rede de mecanismos tecnológicos para que possamos estudá-los e contruir aos poucos a rede de conhecimento sobre o mundo que nos cerca.

Carolina Lavini Ramos é bióloga formada pela Instituto de Biociências da USP e possui mestrado em Ciências  Médicas, com ênfase em Imunologia, pela Faculdade de Medicina da USP. Atualmente leciona ciências para o ensino fundamental, orienta alunos no desenvolvimento de projetos de pré-iniciação científica, além de ser integrante do comitê de revisão científica da revista InCiência. Tem interesse especial em atividades educacionais e de divulgação que aproximem os cientistas da sociedade.
 
Contato: ca_Lavini@hotmail.com
 

Referêcias Bibliográficas:

Patricia da Luz Moreira. Large-scale Screenings of Botanical Ingredients: Challenges and Opportunities. Cosmetics & Toiletries, July 2012 issue, pg 516-519.
Zanella F, Lorens JB, Link W. High content screening: seeing is believing.Trends Biotechnol. 2010 May;28(5):237-45. Epub 2010 Mar